REVIL entrevista Paul Mercier

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Quando se fala em Resident Evil, é a imagem de Leon que vem à cabeça da maioria dos jogadores, sejam eles fãs ou não da saga. Na verdade, foi o personagem interpretado por Paul Mercier que ficou guardado nas mentes de milhões de gamers ao redor do mundo, ao ponto de ser um dos poucos dubladores da série a se fixar em um papel. Além de colecionar trabalhos em games da série “SOCOM”, “Resistance: Fall of Man” e em diversos jogos da série “The Lord of the Rings”, o ator americano também é lembrado como o Jacques Blanc, dublando o personagem de Jean Reno na versão americana de “Onimusha 3: Demon Siege”. Em sua primeira entrevista para um site de Resident Evil, Mercier fala sobre a chegada à série, sua participação na versão beta de Resident Evil 4, a evolução de Leon e a maneira como se prepara para seus papéis.

 


REVIL: Como surgiu a oportunidade de interpretar Leon em Resident Evil 4? Você conhecia a série antes disso?

Paul Mercier: Quando um ator faz um teste para um papel que quer desenvolver, não consegui-lo pode ser muito desanimador. Hoje em dia, muito se fala sobre como criamos nossas oportunidades, então, talvez um pouco de determinação tenha me levado ao papel de Leon. Porém, admiro o processo criativo demais a ponto de acreditar que não consegui isso tudo sozinho. Fico feliz que tenha feito essa pergunta.

Lembro-me que, a primeira vez que vi as falas para Resident Evil, elas eram bem poucas e para um demo no qual a Capcom estava trabalhando. Fui selecionado por Kris Zimmerman [diretora de dublagem da série “Metal Gear” entre diversos outros games], mas no momento da gravação ela teve um contratempo, então fui dirigido por Gordon Hunt [também responsável pela direção de jogos como “Uncharted: Drake’s Fortune” e “God of War II”]. Sempre quis trabalhar com ele, então fiquei até um pouco tímido. Mas a atmosfera era muito criativa, podíamos experimentar diversas imagens diferentes e todo tipo de idéias malucas. Gordon também é ótimo em entender o ponto de vista do ator e, de vez em quando, ele interpretava aquilo que os produtores japoneses estavam dizendo para descrever o mundo que eles criaram. Quando recebi novas falas do localizador [responsável pela tradução e adaptação das falas de uma língua para outra], Shinsaku Ohara, ele me disse estar muito feliz com o que vínhamos fazendo. Então, desta forma, Leon se tornou um esforço em grupo. Em determinado momento no desenvolvimento do personagem, o vírus o infecta. Na época, não havia muita história, então nos focamos no que aconteceria com ele caso começasse a mutar. Como isso afetaria sua mente, corpo e como ele superaria o que estava acontecendo com ele. E, caso ele fosse dominado, que tipo de missões seriam criadas a partir daí?

Após terminarmos a seção, deixei isso de lado e não ouvi falar sobre o assunto por meses. No fim das contas, muito estava acontecendo na Capcom, e Shinji Mikami jogou fora tudo que havíamos feito no demo, com exceção de mim. Que alívio! Foi ótimo pois, normalmente, o ator é o primeiro a ser substituído! De qualquer forma, quando chegou a hora de gravar o roteiro (quase) finalizado, trabalhei com Ginny McSwain e, no primeiro dia, passamos muito tempo trabalhando o monólogo de abertura. Eles achavam que, ao estabelecermos um tom, o resto seguiria naturalmente. Fico feliz de dizer que gravamos grande parte do roteiro sem interrupção e com muita aprovação. Mais algum tempo se passou e fui chamado novamente para o que eu achava que seriam algumas falas e cenas de batalha adicionais. Mas a Capcom havia mixado as falas à animação inicial, e acharam que Leon soava muito velho. Então voltamos ao início e gravamos tudo de novo, com um pouco mais de inocência e um tom mais alto para apoiar as novas idéias da equipe visual.

Antes disso tudo, eu não conhecia a franquia Resident Evil, nem sabia que Leon ou um vírus existiam. Na Terra dos Videogames, tudo é secreto e protegido por acordos de confidencialidade do tipo “quanto menos você souber, melhor”.

REVIL: Você conhecia o trabalho de Paul Haddad [que interpretou Leon em Resident Evil 2]?

PM: Não tive oportunidade, mas quando descobri que Leon já havia aparecido antes, fiquei muito surpreso. Neste negócio, não há garantias, nada dura. Eu espero que o sr. Haddad entenda e esteja em paz com isso caso eu o encontre em um beco escuro, espumando pela boca e sendo dominado pelo vírus…

R: Leon mudou muito a cada vez que foi interpretado por você. Em RE4, ele é confiante e sarcástico, enquanto em RE Degeneração, é frio e controlado. A Capcom foi a responsável por tudo isso, ou algumas mudanças foram sugeridas por você?

PM: Isso é bem profundo, sabia? Você perceber o que mudou nas produções e como a personalidade e as dimensões do personagem foram alteradas. É isso que eu amo na arte! Acho ótimo como a percepção do espectador e todas as idéias que ele possui ajudam a preencher o que “falta”, digamos assim. O que está em jogo aqui, porém, são as forças criativas, das quais sou uma mera peça que se segura e luta por seu tempo no palco…

Jogos são gravados por uma equipe que interpreta o que é dito pelo time de produtores, que por sua vez interpreta o que os designers estão tentando conceber. Isso adiciona muito ao fluxo criativo! Então o produto disso, o ator, é uma peça que responde a diversas orientações. Não que isso elimine minhas próprias contribuições, mas como os parâmetros são muito bem definidos, preciso pensar em opções e soluções criativas dentro disso. Na época em que Degeneração foi feito, por exemplo, uma equipe de produção diferente era a responsável. O formato também foi modificado pois se tratava de um filme. Toda a captura de movimentos já estava feita antes das gravações, então minhas sessões basicamente se resumiam a encaixar as falas e as ações. Na verdade, isso modificou totalmente minha abordagem de Leon. Ele falava muito mais rapidamente, e em tons diferentes, na verdade, era como uma interpretação totalmente nova. Minha participação é um esforço em grupo de diversas pessoas: Mary E. [McGlynn]dirigiu os atores com propriedade e fez um ótimo trabalho ao resolver as diferenças e traduzir os esforços de Makoto Kamiya [diretor do longa] e do restante da Sony e da Capcom.

As limitações que eu ainda tenho que aceitar, acho, é não ter um roteiro completo de antemão. Cresci com teatro e por muitos anos, o desenvolvimento do personagem que faço nos palcos é feito fora de um ensaio formal; em casa, durante uma caminhada, dormindo ou até mesmo comendo. Quando leio o roteiro, posso entender o tema geral e ligar uma coisa a outra. Acho engraçado que, durante as sessões de gravação, ninguém sabe o contexto exato ou mesmo o lugar de uma determinada fala, então temos que ter opções. Mais uma vez, é divertido pois assim posso ser flexível. Fico treinado!

R: Como foi voltar às origens de Leon, o interpretando como um novato?

PM: Você me faz as perguntas difíceis! Quando recebi a ligação sobre Darkside Chronicles, fiquei muito animado. Na verdade, tive de fazer um teste para o papel. Eles queriam se certificar de que eu ainda poderia não somente realizar as aventuras de Leon mas que também podia soar jovem e assustado e como um novato típico. DROGA, é o PRIMEIRO dia de Leon no trabalho! Um dos detalhes mais ricos deste jogo é a maneira como Leon passa de lembrar a história enquanto ela acontece à ação do primeiro dia na polícia, no meio de Raccoon City. Então, quando fui escalado e vi como este mundo era, fiquei abismado. Um dos exercícios de um ator é imaginar toda a vida do personagem que interpreta, então ter uma chance de interpretar o passado de Leon foi sensacional. Eu vim do teatro, então minha preparação se baseia em descobrir tudo sobre o personagem por meio do texto, sendo isso revelado ou não na primeira página. O trabalho de um ator é trazer tudo isso em uma pessoa tridimensional com a qual o público pode se relacionar. Alguns dos jogos são traduzidos e meticulosamente localizados culturalmente, pois simples traduções literais não funcionam. Então, as vezes é uma grande viagem!

Aprendi muito sobre Leon, ao contrário do que eu pensava inicialmente ou que estava de acordo com o meu trabalho anterior. As primeiras cenas com Claire foram muito interessantes pois quando você joga o game, espera ver Leon como antes, capaz de lidar com tudo sem piscar. E aqui está ele, literalmente jogado em meio ao caos, com ameaças imediatas à sua vida e a de todos que ele acredita estarem vivos. É uma festa surpresa zumbi! Você pensa que está procurando pelo seu armário e bum, ele explode. Leon deve confiar em seu instinto para se salvar e pensar em soluções. E você o vê desenvolvendo suas habilidades para reagir com a energia e atitudes corretas para a situação. Isso é muito forte, pois é possível ver de perto o que foi que deu a Leon a atitude de “sabe tudo” que ele tem no final de RE4.

R: Como é a relação entre Leon e Claire em TDC, agora que eles passam juntos por todo o incidente em Raccoon City?

PM: A relação deles é complicada de diversas formas. Primeiramente, Leon sabe que não deve confiar em ninguém. Alguns dos segredos nacionais mais profundos foram revelados entre lençóis! Ele também sabe que misturar trabalho e qualquer outra coisa pode ser mortal. Porém, ele é 100% homem e trabalhar tão próximo das gatas de Resident Evil pode ser uma grande distração, para dizer o mínimo! Você não perguntou sobre Ada. O que está acontecendo na vida de Leon para que ele seja atraído por essa pessoa misteriosa? Ou o que na vida dele o impede de ficar com Claire? Isso dito, eles trabalham muito bem em equipe e mesmo que ele não confie nela, ela o salvou e ele sabe que ela o protegerá.

R: No novo game, os diálogos parecem muito mais naturais que no restante da série. Como foram as sessões de gravação?

PM: Você viu mais do que eu! Fico feliz que você tenha achado as cutscenes naturais. Houve um esforço para se aproximar de uma sensação como a do filme Cloverfield – Monstro. Penso que os games ainda estão distantes de procedimentos “padrão” de produção. O que é, de certa forma, legal. Estamos trazendo times criativos globais, alguns de filmes, alguns de animações de televisão e outros que nunca saem dos computadores. Estamos apenas começando a ver o que é possível. Agora mesmo, as pessoas trazem aos jogos aquilo que conhecem melhor. Cineastas trazem o realismo do cinema; diretores de anime trazem o senso de imediatismo e empolgação. A produção de games ainda é tão jovem, é ótimo ver tantos campos diferentes do entretenimento se unindo. Há questões de tempo também. A maioria dos jogos possui centenas de personagens e milhares de falas. Então, apesar de ser bem divertido gravar com todo o elenco interpretando seus papéis, isso não é prático. Então, normalmente, gravamos de forma não-linear, entre cenas e o jogo em si de forma não cronológica, e isso é parte do desafio.

R: Veremos Leon em outros momentos além do cenário de Raccoon City / Resident Evil 2?

PM: Devido ao meu acordo de confidencialidade, não posso dizer mais nada sobre o que será revelado. As cenas no Youtube não são nem as melhores partes. Vou dizer, porém, que as cenas e acrobacias estão entre as melhores que já vi, elas são demais! E a possibilidade de jogar com Claire e Leon ao lado um do outro será sensacional.

R: Resident Evil 4 foi o primeiro jogo da série a mostrar uma preocupação legítima com a qualidade da dublagem. Como foi participar deste processo de “profissionalização” da franquia?

PM: Essa é uma percepção muito interessante, e acredito que tenha a ver com a evolução da produção. Uma das características mais legais é que RE4 é o primeiro a possuir som surround 5.1. Então você fica arrepiado só de ouvir um zumbi chegando por trás, e se vira antes que seja tarde demais! É isso que faz a Capcom ser o que é. Eles estão sempre tentando ir além dos limites da tecnologia atual.

R: Você se identifica com Leon em algum aspecto?

PM: Não é a fantasia de qualquer um destruir seus medos com a agilidade, firmeza, bravura, coragem e habilidade de Leon? Sim, somos muito parecidos!

Estou brincando. Todos nós temos que assumir uma posição e agir. Leon é capaz de lidar com qualquer coisa e reage de forma apropriada. Há um conceito das artes marciais japonesas que trata da “mente como água”, que sugere que, quando um cristal é atirado em um lago, a água age de acordo. Quando uma pedra atinge a água, a reação dela ainda é apropriada. E nenhuma das duas respostas desperdiçou energia. Nem pouca, nem muita.

R: De todos os personagens que você já interpretou, qual é seu favorito?

PM: Essa também é difícil. Um pai tem um filho preferido? Jay Leno possui um carro favorito? Imelda Marcos tem um par de sapatos favorito? Me diverti muito fazendo Specter para a série “SOCOM”, seguindo por missões táticas, analisando situações e dando ordens para ataque. Mas um de meus favoritos é o de “Rise of the Argonauts”, o irmão de um dos deuses gregos: sozinho, deprimido, amargurado e GIGANTESCO! Interpretei diversos níveis de emoção, do lamento à destruição violenta.

R: O que você acha que o futuro reserva a Leon? Teremos você novamente no papel?

PM: Em um mundo perfeito, sim! Eu, porém, não tenho controle algum sobre como eles continuarão a partir daqui. A dificuldade da mistura entre arte e comércio é: se todos compram, é bom? Ao contrário, se a audiência diminui, significa que não é mais? Os bons companheiros da Capcom são espertos pois o mundo que criaram e no qual colocaram as histórias de RE se expande cada vez mais, enquanto descobrimos como as vidas dos personagens se conectam. Eu adoraria ver Leon em situações nas quais é forçado a desenvolver novas técnicas para continuar suas aventuras, assim como os relacionamentos que ele desenvolve pelo tempo, no passado e no futuro. Ainda há muito que não sabemos…