Até que ponto é importante ouvir os fãs?

“A Capcom está ouvindo a opinião dos fãs” é uma constante em notícias e entrevistas sobre a série. Amando ou odiando as decisões da empresa, os fãs de Resident Evil oferecem sempre um mar de opiniões sobre os lançamentos da franquia.

Ouvir os fãs é importante não só para conhecê-los, mas também gera uma recompensa no nosso coraçãozinho fanático: o sentimento de que estamos sendo ouvidos. Tudo isso tem o seu lado bom, mas qual é o limite do fanservice?

Primeiras consultas

A primeira vez em que a empresa declarou que estava produzindo games da franquia levando em conta a opinião dos fãs foi em meados de 2012, alguns meses antes do lançamento de Resident Evil 6.

Falando com o Siliconera, Hiroyuki Kobayashi comentou que os zumbis retornariam a série depois de ouvir comentários dos fãs sobre os inimigos de Resident Evil 4 e Resident Evil 5. “Tentamos responder aos pedidos e colocá-los no jogo. Nós modificamos eles um pouquinho, então eles não são exatamente os zumbis que vocês esperariam”.

De fato, os zumbis de Resident Evil 6 ganharam um comportamento diferenciado, para combinar com a jogabilidade mais livre do game. Apesar da movimentação lenta, eles se tornavam mais violentos quando viam o personagem, atacando com saltos ou usando armas.

O cenário de Leon em Resident Evil 6 prometia ser um retorno às origens dentro de um jogo multi-facetado. Não funcionou bem assim. A principal queixa dos jogadores não era só em relação a qualidade do título, mas da ausência das prometidas pitadas de survival horror.

Resident Evil 6 também trouxe outros pedidos dos fãs, como o retorno de Sherry Birkin e a união de Chris e Leon em um único jogo. Toda a fórmula prometida para o game parecia ter a combinação perfeita, com tudo o que um fã de Resident Evil gostaria de ver, porém, contudo, entretanto…

Ouvir o que fazer não significa saber como fazer

Após o polêmico lançamento de Resident Evil 6, as opiniões sobre o jogo se dividiram. A impressão geral era de que o título não foi exatamente o que se esperava: uma mistura das novidades inseridas na série em RE4 e RE5, mas com o sentimento de survival horror dos primeiros jogos da franquia.

Se as opiniões foram mais positivas ou negativas, não se sabe ao certo. O que se tem certeza é que Resident Evil 6 foi um dos jogos mais comentados da franquia, justamente pela divergência de opiniões que gerou.

Em dezembro de 2012 a Capcom anunciou oficialmente que observou atentamente as opiniões dos fãs e que lançaria atualizações para Resident Evil 6 buscando melhorar a experiência dos jogadores.

As melhorias incluíam a liberação da campanha de Ada Wong desde o começo e uma dificuldade nova, chamada No Hope. O principal ponto da atualização, resultado direto da opinião dos usuários, eram as configurações de câmera que, a partir do update, permitiam que o jogador definisse o campo de visão como bem entendesse. Na época, a câmera de Resident Evil 6 foi um dos pontos mais criticados do game, assim como os controles.

Depois das várias opiniões de jogadores e dos críticos, os desenvolvedores sabiam que os controles e a câmera não estavam agradando, mas isso não foi o suficiente para que eles soubessem onde realmente estavam os problemas. Abrir as configurações de forma 100% livre foi uma saída prática para que cada jogador ajustasse a câmera como bem entendesse, mas foi uma clara demonstração de que a Capcom não sabia como os jogadores gostariam que a câmera funcionasse.

Esse tipo de situação mostra que sim, a empresa está preocupada com a opinião de fãs e de consumidores em geral, mas ainda não sabe muito bem lidar com o que essas pessoas estão dizendo, ou ainda, não sabe como traduzir essas informações em atrações úteis de seus jogos.

Procurando aquilo que se perdeu

Demonstrando mais uma vez que estava preocupada com a opinião do público, no final de 2012 a Capcom lançou uma pesquisa com diversas perguntas voltadas especificamente para os fãs de Resident Evil. O questionário abordava os hábitos gamers dos jogadores, além de levantar hipóteses sobre um port para Resident Evil Remake e um novo game da série semelhante aos “Outbreaks”. O estratégia voltou a se repetir, com um novo questionário divulgado em fevereiro de 2015, às vésperas do lançamento de Resident Evil: Revelations 2. Esse tipo de abordagem é válida não só por permitir que a empresa conheça o público, mas também faz com que os fãs se sintam recompensados com a simples mensagem “sua opinião é importante para nós”.

As pesquisas parecem ter dado resultados. Atendendo a uma antiga demanda dos fãs da série, provavelmente observada na enquete realizada no começo de 2013, a empresa anunciou Resident Evil HD Remaster, uma nova versão do remake do primeiro jogo da série, com gráficos de alta definição para os consoles da atual e anterior gerações de consoles, além dos PCs. Resident Evil Revelations HD também foi outro projeto que surgiu em resposta aos pedidos dos fãs. O game, inicialmente projetado exclusivamente para o Nintendo 3DS, chegou aos consoles de mesa e aos PCs depois de muitos jogadores se interessarem pelo título, mas não terem acesso a ele. Percebendo que “Revelations” poderia se sair bem com a ampliação do público, o título chegou ao PS3, Xbox 360, WiiU e PCs em 2013.

Alguns meses após a tal pesquisa de 2013, a Capcom anunciou que pretendia fazer a série “retornar às origens”. Os comentários vieram de Masachika Kawata, um dos produtores mais presentes na série. Em entrevista ao IGN, Kawata comentou: “É importante que tenhamos em mente as necessidades dos usuários quando fazemos games. Ao mesmo tempo, eu acho que muitas pessoas querem ver Chris e Jill em um jogo, ou querem que Resident Evil se pareça com o que era antes. É isso que faz com que o jogo funcione para eles”. Em uma declaração mais extrema, o produtor chegou a dizer: “Acho que deveríamos começar do zero e fazer um reboot. Continuaria sendo Resident Evil. Não perderíamos a essência do que faz um bom jogo só trocando os personagens”.

A opinião de Kawata soou no mínimo estranha aos ouvidos de muita gente. Um ano antes, enquanto Operation Raccoon City e Resident Evil 6 eram anunciados, o produtor havia afirmado que “O survival horror é um gênero que nunca estará, financeiramente falando, no mesmo nível que os jogos de tiro e outros jogos mais populares. Temos que ter confiança para investir dinheiro nesse tipo de projeto, mas isso não significa que não podemos nos focar no que é necessário para fazer um jogo de survival horror e atender às necessidades dos fãs”.

A primeira declaração que pareceu mais sensata em relação ao feedback dado pelos fãs de Resident Evil, partiu do vice presidente de marketing da Capcom, Michael Pattison. De acordo com ele, Resident Evil estava “tentando fazer muita coisa ao mesmo tempo, para todas as pessoas”. Pattison disse ao MCV: “Estamos de olho na opinião dos consumidores (…) Não podemos ignorar isso e temos que levar essas respostas em consideração para fazer o próximo Resident Evil”. Pattison completou dizendo que dar ênfase ao conceito central da franquia, o survival horror, era necessário para um próximo Resident Evil: “Você vai ver que vamos caminhar em direção para algo mais voltado para a nossa base de fãs”.

Mas o que é essa essência, apontada por Kawata,  que se perdeu? O que é essencial para Resident Evil se manter como uma franquia com a mesma identidade de antes? Nos últimos lançamentos a fórmula foi totalmente modificada, com mais e mais ação sendo introduzida na série. O processo provavelmente foi o resultado da necessidade da Capcom em tornar a franquia mais atraente para o mercado ocidental. Mas será que isso fez com que Resident Evil se tornasse uma franquia mais relevante? As vendas certamente aumentaram, mas a cada dia que passa a série acaba sendo vista como algo bem mais genérico, próximo de um jogo de tiro em terceira pessoa do que pelas características que a tornavam Resident Evil único anteriormente.

Dar aos fãs o que eles querem ou o que eles precisam?

Todo mundo tem uma opinião para dar sobre Resident Evil. Há fãs que acreditam no retorno de elementos antigos, como ângulos de câmera fixos, saves limitados, itens de cura e munição escassos. É complicado dizer que a série se define apenas em cima desses elementos, mas é fato que estes são características que identificavam Resident Evil como a franquia que era.

Os controles “tanque” e os ângulos fixos de câmera limitavam a movimentação e a visualização do cenário. Eram limitações dos jogos anteriores, que rodavam em gerações antigas de console, que acabaram se saindo mais como ferramentas para criar o clima do jogo do que como limitações mesmo. Hoje em dia esses elementos parecem completamente atrasados em termos de jogabilidade, mas, sem dúvidas, faziam com que os games funcionassem tão bem dentro do gênero do survival horror. Saves limitados foram substituídos por check points e você não pensa tanto em economizar munição agora. Esses elementos garantiam uma dificuldade maior, mas também geravam o constante receio de ficar sem recursos. Hoje em dia é difícil imaginar algo moderno e ao mesmo tempo equivalente a todos essas ferramentas do gameplay. É claro que alguém pode olhar isso e dizer que a Capcom poderia fazer um esforço maior, especialmente com relação a fatores limitantes (saves e recursos), mas olhando para o mercado ocidental, bem mais imediatista, fatores que aumentam muito a dificuldade de um jogo podem ser vistos como empecilhos…

O parágrafo anterior pode resumir o grande problema. Talvez Resident Evil não precise procurar sua “essência” que se perdeu em elementos antigos, que não necessariamente funcionam no mercado de games hoje. Talvez Resident Evil precise se reinventar de forma um pouco mais drástica do que simplesmente incorporar conceitos que davam certo antes ou que garantem o sucesso de outras franquias AAA. E aí, ouvir a opinião dos fãs talvez seja importante, mas a reinvenção, a “revolução”, não vai partir deles, mas sim das mentes criativas que são responsáveis pelo desenvolvimento da série. Na época do desenvolvimento de Resident Evil 4, Shinji Mikami sabia que a franquia precisava de novos ares. O processo criativo do game foi complexo e demorado, mas não se baseou unicamente na opinião do público. As ideias chave partiram dos desenvolvedores, e não dos consumidores. É claro que Resident Evil 4 fez muitos fãs torcerem o nariz, mas com certeza foi o grande responsável por expandir o público da franquia. Infelizmente, mais difícil do que agradar a muitas pessoas, é agradar a todo mundo.

É natural pensar que é importante ouvir os fãs antes de qualquer um que seja. Pensando na perspectiva mais fria de empresários, é totalmente válido fazer pesquisas e saber como está a satisfação do consumidor em relação ao seu produto, além de receber sugestões. No entanto, a entrevista do site Metro.UK levantou um ponto muito importante sobre como levar em consideração a opinião do público:

“Mas eu me preocupo com toda essa conversa sobre a opinião das pessoas. Vocês estão fazendo o jogo, não os fãs. Não dêem às pessoas o que elas querem, mas sim o que elas precisam. Ninguém pediria para ter Dark Souls depois de um simples teste, mas as pessoas voltariam depois de 100 horas de jogo falando ‘puxa, eu nunca pensei que diria isso, mas foi ótimo!’”

A opinião do público não é descartável e é o que as pessoas dizem sobre o produto que acaba praticamente determinando o que o seu produto É. O problema é que o público sempre vai dar opiniões baseadas em experiências anteriores com a franquia ou com outros jogos, dificilmente apontando algo realmente novo. E como manter uma franquia nova e interessante se ela não traz nenhum diferencial?

A questão que fica é: até onde a opinião dos fãs é assim tão importante? Será que ela deveria guiar o desenvolvimento de forma tão relevante como Michiteru Okabe e outros membros da Capcom andam enfatizando? Resident Evil tem uma grande base de fãs no mundo inteiro, mas será que é só esse nicho que deve ser levado em consideração? A questão da opinião dos fãs anda sendo tão, mas tão enfatizada, que às vezes passa a impressão de que estamos entregando uma receita de bolo pronta, que vai definir como o futuro da franquia pode ser.

Esse comportamento da Capcom parece mostrar um certo medo de ousar, correr riscos.  Ainda que a empresa ache necessário fazer algo mais voltado pra ação e supostamente mais atraente para o ocidente, sem mantém presa a certos padrões. A estratégia de “é melhor ter um pássaro na mão do que dois voando” ficou clara quando Okabe declarou que a série ficaria dividia entre “Revelations” e “títulos numerados”. A primeira seria uma sub-franquia baseada em survival horror e em tudo o que os fãs pedissem, enquanto os jogos numerados ou principais trariam conceitos novos. O que essa estratégia não leva em conta é que fãs são sempre a parcela mais difícil de agradar do público, mesmo que você faça o que eles (acham que) querem. Isso acontece também, por que, acima de tudo, fãs representam um grupo de pessoas tão mista quanto o público em geral, mas que tem uma única coisa em comum: admiram a mesma coisa. Nem todos os fãs de Resident Evil preferem os mesmos títulos,  personagens, as mesmas mecânicas, histórias… É muito difícil encontrar um grande denominador comum aí.

Por enquanto, a Capcom parece estar fazendo o dever de casa, pelo menos em relação a atender aos pedidos dos fãs. Resident Evil HD Remaster é um sucesso entre os adoradores da franquia, mesmo aqueles que não chegaram a jogar os games mais antigos da série. “Revelations 2” chega em meados de fevereiro trazendo de volta dois personagens esquecidos pelos desenvolvedores, mas queridos pelos fãs, Barry e Claire, além da repetida promessa de “retornar às origens”. Os pedidos certamente estão sendo atendidos, mas será que o resultado final é exatamente aquele que a gente precisa?

O texto acima reflete a opinião da autora do artigo e não do site REVIL.