Afinal, o que Resident Evil 6 trouxe de bom para a franquia?

Okay, já se passaram 3 anos desde o lançamento de Resident Evil 6, e a gente já falou muito sobre as mazelas do jogo. Eu recentemente até fiz um artigo apontando cinco coisas que RE7 deveria fazer para salvar a franquia, e em quase todos os pontos citados, RE6 foi o exemplo negativo do que não fazer, mas calma lá!

Nem tudo é 8 ou 80, RE6 não foi um completo lixo, tem qualidades e trouxe algumas coisas boas para a franquia como um todo. Embora mal exploradas, o jogo apresentou algumas mecânicas interessantes e, além disso, deu algumas lições de humildade na Capcom, algo importante principalmente porque tem feito a empresa repensar o futuro da franquia.

Crossovers

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Os momentos de crossover de Resident Evil 6 estão sem dúvidas entre os pontos altos do jogo. Eles ocorrem sempre em momentos-chave do jogo, seja em cutscenes ou até mesmo em batalhas contra bosses. O que ficou faltando aqui, foi uma exploração um pouco maior e melhor desses momentos, que não só poderiam durar um pouco mais, como também trazer uma maior relevância pra história e uma maior interação entre os personagens e os jogadores, algo que fosse além de cooperar para derrotar um boss.

Talvez, de todos os crossovers, o que melhor tenha sido aproveitado foi o entre Chris e Jake, aliás, os dois crossovers entre eles. No primeiro, vemos as duplas cooperando para derrotar dois Ogromans na Edônia, e no fim, ao olhar para Jake, Chris “quase reconhece” no jovem mercenário semelhanças com o seu antigo algoz, Albert Wesker. Lá no fim do jogo, quando Chris e Jake voltam a se encontrar, vemos a dupla cooperando brevemente para escapar da ameaça do Haos, mas a cutscene tensa onde Chris se revela para Jake como sendo o homem que matou seu pai e o desenrolar dela, mostram como é possível aproveitar momentos assim para dar um pouco mais de profundidade a trama, mesmo que a reação de Jake ao confrontar o homem que matou o malvado pai que ele nunca conheceu tenha sido um tanto descabida, considerando-se tudo que Jake toma conhecimento sobre Wesker no decorrer do jogo.

Andar e atirar

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Certo, esse recurso foi implementado já na versão de 3DS de RE: Revelations e poucos meses depois em REORC, mas considerando que REVs1 foi lançado com esse recurso para um portátil e que REORC foi um aborto produzido pela Slant Six, vale analisar com carinho a implementação dessa mecânica em Resident Evil 6, justamente por se tratar de um título desenvolvido no coração da Capcom e para os consoles de mesa, onde acostumamos a jogar os principais títulos da franquia.

Embora a implementação desse recurso não seja um primor em RE6, foi importante ver essa adição que já se fazia necessária desde RE4, e principalmente a partir de RE5, com os jogos numerados cada vez mais rumando em direção ao gênero da ação, ter que parar para mirrar nos inimigos e atirar era um convite a problemas, principalmente contra inimigos mais complicados ou contra grandes hordas de zumbis ou J’avos. Mais tarde, em RE: Revelations 2, vimos essa mecânica aprimorada, e esperamos que em futuros jogos da franquia, isso seja ainda mais refinado para chegar aos níveis de jogos como Gears of War, Uncharted e The Last of Us.

Movimento de câmera

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Junto do recurso de andar e atirar ao mesmo tempo, a Capcom implementou uma câmera com movimentação mais livre, dando uma maior dinâmica ao jogo em relação a seus antecessores. A câmera em terceira pessoa com vista sobre o ombro do personagem, virou mania no mundo dos games após RE4 implementá-la, em RE5 tivemos uma evolução disso, trazendo a possibilidade de se olhar alguns ângulos laterais, e em RE6 houve uma mudança ainda maior com a câmera livre, que pode trazer estranheza a marinheiros de primeira viagem, mas que é bastante útil e pode fazer o jogador observar o cenário antes de se aventurar na próxima curva de um corredor estreito. Esse sistema de câmera é bastante familiar para quem costuma jogar sandboxes como GTA, Assassin’s Creed, entre tantos outros. Embora não tenha mundo aberto, os cenários de RE6 pedem uma maior exploração através da movimentação de câmera, sendo essa uma mecânica valiosa para o jogador economizar recursos como munição e itens de cura.

Mais uma vez, é importante salientar que houveram falhas na execução, ao girar a câmera em determinados momentos o jogador acaba se confundindo, principalmente se estiver arremetendo ou até mesmo correndo pelo cenário, tudo porque o eixo do controle muda conforme a câmera, atrapalhando bastante em alguns momentos de fuga, forçando o jogador a “se adaptar” a essa implementação tortuosa. Mas é importante citar que, em RE: Revelations 2, tivemos novamente a melhoria desse recurso, assim como ocorreu com o “andar e atirar”, mostrando que a empresa evoluiu aquilo que havia de bom (e mal aproveitado) em RE6, e aprendeu importantes lições com o até então, último título numerado da franquia, e é justamente esse o ponto que abordarei agora.

Personagens novos

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Apesar de ser um jogo onde o fan service reina, com as voltas de Chris, Leon, Ada, Sherry e até a presença de um controverso filho de Albert Wesker, Resident Evil 6 trouxe bons novos personagens, uma pena que, eles acabaram sendo sub-aproveitados em detrimento dos personagens antigos, que é exatamente o contrário do que RE precisa.

O intenso uso de personagens como Chris, Leon, Jill e Ada, fizeram com que a franquia perdesse muito de seu clima de mistério e perigo constante, afinal, após passar por tantas situações impossíveis, o quarteto citado começou a encarar as novas situações com um ar blasé, como se aquilo fosse algo corriqueiro de seu dia-a-dia, passando uma segurança muito grande nas situações, o que acaba por deixar o clima de tensão abafado. Resident Evil 6 introduziu 3 novos personagens com potencial para assumir as rédeas da franquia a partir de então, o problema é que a forma como eles foram usados, acabou colocando por terra essa possibilidade.

Jake Muller, o filho de Albert Wesker é um poço de arrogância e ao se infectar com o C-Vírus, tornou-se um ser humano ultra-poderoso, quase no mesmo nível de seu pai, e faz tão pouco caso dos perigos e situações que a trama o coloca, que lembra até a Alice dos filmes.

Helena Harper, é outra personagem nova com grande potencial. Muitos podem dizer que ela nada mais é do que uma Sheva norte-americana, mas, o seu envolvimento com Simmons, com o governo dos EUA e com Leon, poderiam colocá-la na linha de frente de futuros jogos da franquia, o problema é que, ela acabou sendo a mais rasa das personagens do jogo, apenas seu fraco drama familiar com Debra foi explorado, deixando uma personagem com bom potencial apenas a sombra de Leon e sua eterna ligação tortuosa com Ada Wong.

De todos, sem dúvidas Piers Nivans é o grande destaque. Tudo no jovem soldado levava a crer que ele seria o substituto do grande Chris Redfield, tanto na BSAA, quanto na franquia RE. Jovem, corajoso, inteligente, equilibrado… Piers tinha tudo para ser o grande novo personagem da franquia, e sua evolução em RE6 só corrobora isso, já que durante todo o jogo ele foi o ponto de equilíbrio que manteve Chris na linha. Mas, sua prematura morte, colocou ponto final e desperdiçou um dos maiores potenciais da franquia. Não só sua morte, mas a decisão de não matar Chris, foi uma balde de água fria. Chris vinha numa imensa curva decadente com Piers sempre sendo seu ponto de suporte. A morte de Chris ou até mesmo sua aposentadoria, seriam um grande desfecho para um grande personagem, e ajudariam a elevar Piers ao patamar de “nova cara” de Resident Evil. Entretanto, a decisão de sacrificar Piers e manter Chris vivo, expôs a falta de culhões e de visão da Capcom, que preferiu manter vivo um personagem envelhecido, desgastado e saturado, ao dar um fim heróico para ele e alçar um novo personagem ao estrelato da franquia.

Por mais que os parágrafos acima sobre os personagens soem mais como uma crítica negativa, eles provam que a Capcom tem grande capacidade de desenvolver novos personagens com potencial para serem as estrelas dos novos jogos da franquia. E é disso que Resident Evil precisa, e parece que a lição foi aprendida, já que no mais recente jogo da franquia – RE: Revelations 2, vemos duas novas personagens que assumiram posições de extrema importância na história, deixando pontas soltas para que elas retornem e passem a ter ainda mais importância na franquia, renovando um envelhecido e desgastado quadro de protagonistas.

Humildade

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Depois dos sucessos consecutivos de Resident Evil 4 e Resident Evil 5, a Capcom se viu novamente na crista da onda com a franquia RE, algo que não acontecia desde o final da década de 1990. RE4 é um dos jogos mais elogiados e mais cultuados da década de 2000 e RE5 , apesar das críticas por ter adotado a ação e a linearidade como principais elementos de gameplay, ainda assim foi muito elogiado por sua consistência e se tornou rapidamente um dos jogos mais vendidos da história da empresa. O que fazer então para que RE6 seguisse com essa onda de positividade na franquia, seja em vendas ou em conceito? Foi aí que a empresa tropeçou nas próprias pernas e caiu na armadilha da soberba.

Ao decidir que RE6 seria um título grande, grandioso e que viria para agradar a todos os públicos, a Capcom parece ter perdido a mão em cuidados menores que sempre pautaram os jogos numerados da franquia. A qualidade gráfica além de estar aquém do esperado foi totalmente inconsistente dentro do próprio jogo; o enredo se perdeu em meio a um emaranhado de fatos megalomaníacos e melodramáticos; e na tentativa de cativar fãs de franquias avassaladoramente grandes como Call of Duty e Battlefield, a Capcom simplesmente deixou a identidade de Resident Evil de lado, apostando que, a presença de Leon, Chris e alguns punhados de zumbis seriam capaz de fazer essa ligação. Não.

O resultado disso, foi um jogo que, apesar de ter vendido bem, ficou abaixo das expectativas da empresa, que investiu uma enorme fortuna em sua produção, tendo envolvido nela a maior equipe que jamais trabalhou em um jogo da empresa, e com investimentos em marketing que inicialmente sustentaram as vendas do jogo, mas que, ao decorrer das semanas, com as críticas ferrenhas em cima da inconsistência técnica e de enredo, não foi capaz de sustentar as vendas no patamar que a Capcom desejava.

O uppercut da soberba, acertou a Capcom bem no meio do queixo, e esse duro golpe somado a alguns outros recebido pela empresa por causa de outras produções, jogou a empresa na lona, abrindo contagem para o nocaute. Muita coisa teve de ser repensada internamente, pesquisas com a preferência do público foram abertas, muitos estudos foram feitos, porque, depois do semi-nocaute, a empresa simplesmente não podia mais jogar dinheiro no lixo como RE6.

O resultado de tudo isso, começou a surgir ainda em 2014, com o anúncio da remasterização de RE: Remake para os consoles da sétima e oitava gerações. Um investimento relativamente barato, que agradaria a uma enorme parcela dos fãs que não tiveram acesso ao jogo no GameCube ou Wii, e acabaram jogando-o em emuladores. Com essa remasterização a Capcom deu sinais de que estava entendendo o que os jogadores queriam.

Outro sinal positivo dessa mudança de postura foi RE: Revelations 2, título que passa longe de ser um AAA, mas que, em sua humildade e dentro de suas limitações, foi um Resident Evil extremamente competente, trazendo de volta o clima de survival horror (que já havia sido re-apresentado em RE: Revelations, mas com uma roupagem um pouco diferente), além de trazer conexões com o enredo macro da franquia. O jogo não é perfeito, tem seus defeitos, mas o que ele fez pela franquia, foi mostrar que Resident Evil pode se reerguer sem ter que recorrer a ação desenfreada ou a um enredo que mesmo para um obra de ficção acaba beirando o absurdo.

No fim das contas, nada como uma queda para nos fazer olhar para nossas origens, entender o que fazemos de melhor e apostar justamente nisso para uma escalada que nos tire do poço. E a porrada que RE6 fez a Capcom levar, fez com que a empresa fizesse justamente isso, resta agora, torcer para que essa caminhada continue, e que em futuros títulos, incluindo Resident Evil 7, a empresa continue com as lições aprendidas na cabeça, para não cair mais uma vez no erro de dar um passo maior que a perna e desvirtuar completamente a sua maior e mais importante franquia.

O texto acima não reflete a opinião do REVIL, e sim do autor do artigo.