Depois de dois anos bastante intensos para a franquia Resident Evil, estamos entrando no período de entressafra. O lançamento de Revelations em alta definição foi o último antes de uma pausa que ninguém sabe ao certo quanto tempo irá durar para os jogos da série. Passada a enxurrada de produtos que inundou o mercado nos últimos anos, a Capcom deverá concentrar esforços para definir ou redefinir o futuro da saga.
Por conta desse futuro nebuloso, o REVIL fez uma pesquisa com o público para saber a opinião geral sobre os recentes lançamentos e conhecer os pontos positivos e negativos dos títulos. Durante a coleta de dados, também perguntamos o que deveria ser mudado e o que vocês mais sentem falta na franquia.
Além disso, fomos atrás da opinião de gente que trabalha com Resident Evil e que está à frente de importantes fã sites da série não só no Brasil, mas em outros lugares do mundo. Dessa forma, tentamos entender um pouco melhor o atual movimento que divide tanto a base dos que curtem RE – entre aqueles que idolatram os jogos antigos e detestam os mais recentes, e aqueles que conheceram a saga por meio de RE4, RE5 e RE6, mas que também aprenderam a gostar dos títulos antigos.
A opinião do público
Na pesquisa realizada aqui no REVIL, tivemos mais de 3.6 mil respostas, com diversas divisões entre o público.
Quando perguntamos qual foi o melhor dos últimos jogos lançados, 44% optaram por RE6, enquanto outros 47% indicaram RE: Revelations como o preferido. Embora o resultado numérico seja bem apertado, é curioso notar que um jogo numerado ficou atrás na preferência do público em relação a um título “menor”, como é o caso de Revelations.
Este é um primeiro indício de que, de uma forma geral, a resposta do público a jogos mais focados no terror tende a ser melhor do que o apresentado em RE6, que tentou abraçar o mundo – tentando agradar tanto a quem gosta de terror quanto quem gosta de ação – mas mostrou falhas em ambos os lados. Para efeito quantitativo, REORC foi a escolha de apenas 3% do público, enquanto 6% afirmou não ter gostado de nenhum dos três títulos.
Ainda traçando um paralelo entre ação e terror, 77% das pessoas que responderam a pesquisa disseram que RE6 deveria ter focado mais no terror, corroborando com a resposta sugerida no primeiro questionamento. Do restante, 23% acreditam que o jogo apresentou um bom equilíbrio entre terror e ação, e apenas 2% escolheram a opção de que o título deveria ser mais focado na ação.
Apesar das escolhas, a resposta a RE6 foi positiva. Ao menos 65% avaliaram o jogo entre bom e ótimo. Tivemos ainda 23% que classificaram o título como razoável e apenas 11% de ruim/péssimo.
Entre os pontos positivos do jogo, o público apontou a presença dos personagens antigos – Leon, Chris, Ada e Sherry (20%) e a volta dos zumbis (18%) como os principais destaques. Outros pontos aprovados foram a possibilidade de andar e atirar ao mesmo tempo (14%), as 4 campanhas diferentes (12%) e o enredo (11%). Curiosamente, em um mundo onde cada vez mais os títulos são voltados para o modo online, apenas 5% apontaram a possibilidade de jogar online com até 4 pessoas como sendo uma das grandes virtudes de RE6. Os personagens novos – Jake, Piers e Helena também parecem não ter agradado tanto assim aos jogadores, ficando com apenas 6% das escolhas.
Quando perguntamos se RE6 afetou o julgamento dos fãs na hora de comprar novos jogos da franquia, a imensa maioria (82%) afirma que não, que o título não afetou a decisão de compra. Outros 14% se decepcionaram com RE6, mostrando que a insatisfação fará alguns pensarem duas vezes antes de adquirir um novo jogo da franquia ou que não haverão novas compras. Apenas 4% das pessoas afirmaram que viraram fãs da franquia após jogar o título, um percentual bastante pequeno dado à grandeza de RE6 e principalmente o número de cópias vendidas até o momento, que beira os 6 milhões de unidades.
A pesquisa nos mostrou o que já era sensível nos fóruns e comentários afora: o terror faz falta! A pesquisa do REVIL deixa isso bastante evidente quando a esmagadora maioria afirma que RE6 deveria ter focado mais nessa área. Dessa forma, elementos que eram bastante característicos do survival horror são os mais citados quando perguntamos do que o público mais sente saudade. Terror (22%), puzzles (14%) e exploração de cenários para encontrar itens (14%) foram os mais indicados.
O público também afirmou que sente falta de personagens como Claire, Barry, Rebecca, Carlos e tantos outros, já que 17% das pessoas assinalaram que a tempos eles não dão as caras.
Mas um importante indício de que o terror está mesmo em falta na franquia foi na última pergunta da pesquisa, onde 57% das pessoas afirmaram que gostariam que a franquia sofresse um reboot, recomeçando com foco no terror. No total, 67% das respostas apontam que a franquia precisa disso, enquanto apenas 33% acreditam que RE está no caminho certo e/ou com boas perspectivas futuras.
De todos esses dados, podemos reafirmar uma constatação: está faltando terror em Resident Evil. A tendência iniciada em RE4 foi levando os jogos subsequentes cada vez mais para a ação, deixando o clima de tensão de lado. Apesar da série ter tomado ares revolucionários com assuntos de bioterrorismo, quando se fala em Resident Evil a primeira coisa que vem à cabeça são os icônicos zumbis e o terror.
A Capcom tentou retomar isso com RE6, mas falhou ao tentar agradar um público muito amplo, decepcionando os fãs com a ausência de elementos que tornaram a série um sucesso no passado. É interessante citar que apesar de ser um jogo bem mais voltado para a ação do que os seus predecessores, RE4 é sempre lembrado como um título que traz um equilíbrio quase perfeito entre ação e o terror antigo – diferentemente de RE5 ou RE6.
A opinião de quem trabalha com Resident Evil
Além de pedir a opinião do público geral, o REVIL também foi atrás de pessoas que estão, fazem ou fizeram parte da comunidade Resident Evil por meio de fã sites, fã pages e até mesmo em agências de publicidade.
Após o lançamento de Resident Evil 6, notamos que houve uma queda bastante acentuada no interesse do público para com a saga e, mesmo que os dados da pesquisa apontem para uma boa aceitação do título, muita gente ficou decepcionada com alguns pontos do jogo – como por exemplo o enredo e o aproveitamento pouco satisfatório do terror e do clima de survival horror.
Para Jonatan Loth, responsável pela fã page Resident Evil World, houve de fato uma queda brusca de interesse do público, e para dar a volta nessa situação seria necessária uma reavaliação de estratégias, principalmente porque dos últimos três lançamentos (RE: Revelations, REORC e RE6), apenas um teve resposta positiva da mídia e do público em geral – algo que era impensável anos atrás, quando o lançamento de um novo Resident Evil era sinônimo de qualidade. Ele também acredita que um reboot não seria um bom caminho para a série, pois o background de enredo e de personagens é muito grande para ser simplesmente jogado no fundo do baú e reiniciado – o resultado pode acabar sendo tão decepcionante quanto REORC.
Michael Chandler, webmaster do fã site espanhol Resident Evil Center (que também tem a sua versão em português), acredita que a franquia vai de mal a pior. REORC veio como um alerta vermelho, e havia esperanças que RE6 fosse diferente dele e de RE4 e RE5, mas isso não aconteceu, o que foi uma grande desilusão para uma maioria. Ele ainda acredita que o lançamento de RE: Revelations para os consoles de mesa não tem potencial para mudar a situação, já que a tendência é que o jogo seja excelente para os fãs – especialmente os mais antigos, por conta do velho clima de terror – mas um fracasso economicamente para a Capcom, dado a seu baixo apelo comercial comparado a títulos como RE6 e REORC. Ele também afirma que houve uma queda acentuada de visitas ao RE Center após o lançamento (e as decepções) de RE6, e que para manter o fluxo e o bom nível de seu site tem usado os jogos antigos, reformulando seções e disponibilizando conteúdos exclusivos sobre esses títulos.
Para Bruna Mattos, que por muito tempo fez parte da equipe REVIL e é conhecida por todos como Yuna, houve uma grande decepção com RE6 e isso resultou em uma posterior falta de interesse. Apesar disso, ela acredita que mesmo que Revelations não se saia bem comercialmente, não corremos risco de ver o fim da franquia Resident Evil em um futuro próximo, principalmente porque a Capcom é uma empresa com franquias muito tradicionais e consolidadas – e isso é um indício de que a empresa tentaria de tudo para que RE não chegue a um fim “prematuro”.
Kadu Araújo, redator do Judão e responsável pelas relações públicas de RE5, REORC e RE6 no Brasil, diz que apesar de RE: Revelations ser o melhor dos últimos lançamentos da franquia RE, os outros jogos também tem seus méritos – inclusive REORC, que mostrou um ponto de vista diferente sobre o incidente em Raccoon City levando o jogador de volta a uma das passagens preferidas dos fãs. Mas tanto REORC quanto RE6 cometeram o erro de tentar agradar a um público muito grande através da mistura de ação e terror, e isso acabou sendo um dos principais erros cometido por ambos. Ele também acredita que a excitação criada em cima de RE: Revelations seja muito por conta da volta do terror e por isso ele vem sendo tão “idolatrado” pelo público, mas pode ser que o jogo não seja o “salvador da pátria” como muitos veículos vem apontando. Kadu vai além e diz ter certeza que um Resident Evil nos moldes da trilogia clássica não daria retorno financeiro para a Capcom, por conta de muitos aspectos de jogabilidade que evoluíram desde então. Ele acredita que uma aposta segura seria criar um jogo nos moldes de RE4, misturando ação e clima de terror na medida certas. Também seria necessário acabar com as empresas “genéricas” que surgiram na saga após o fim da Umbrella.
Um pouco na contra-mão das demais opiniões, Felipe Demartini, editor do Resident Evil SAC e ex-membro do REVIL e do extinto F.Y.F.R.E., acredita que a queda de interesse do público não fugiu da normalidade, já que isso sempre acontece após o lançamento de um título numerado, ainda mais quando depois disso não há nenhuma movimentação da Capcom com relação a novos jogos da franquia. Para Felipe, a única grande diferença que ocorreu com RE6 em relação ao lançamento de jogos como RE5 e RE4, foi que o público se dividiu em dois grupos bem definidos: os defensores e os “destruidores” do jogo. Isso de fato aconteceu, e mais uma vez, a pesquisa feita com o público mostra isso, quando vemos que há uma divisão bastante apertada entre os que preferem RE6 e os que optam por RE: Revelations.
Já na minha opinião (André Ceraldi), a queda de interesse do público pode sim ser reflexo do “marasmo” que vivemos nas novidades sobre o futuro da franquia Resident Evil, mas as decepções que boa parte do público teve com RE6 e com REORC também tem importante papel nessa queda. Embora tenha vendido um número bastante considerável de unidades, RE6 ficou comercialmente abaixo das expectativas da Capcom, e isso nada mais é do que uma resposta do público a um jogo grande que nem de perto é grandioso.
O título foi anunciado como sendo o maior da franquia até hoje. Com quatro diferentes campanhas, a “união” de personagens como Leon, Chris, Ada, Sherry e até mesmo a presença de novos personagens. RE6 prometeu um equilíbrio entre ação e terror, com um “novo Nemesis“, volta dos zumbis e muitos outros pontos que fizeram com que muitos acreditassem que o jogo viria mesmo para ser grandioso. Infelizmente, por inúmeros fatores, isso não aconteceu. Não estou dizendo que o jogo é ruim, pelo contrário: trata-se de um jogo muito bom, bastante variado, longo e competente na maior parte dos atributos técnicos, mas ainda assim, ficou longe de ter a essência Resident Evil que a maioria esperava ver de volta.
RE6 acabou apresentando uma trama bastante ramificada, mas sem grande profundidade (exceto a história de Ada Wong, talvez). O jogo tentou cobrir diversos públicos, buscando expandir a experiência para um grupo maior de jogadores, mas acabou não conseguindo nem agradar os fãs antigos e nem angariar uma quantidade suficiente de novos adoradores. Em resumo: o pecado de Resident Evil 6 foi a falta de foco.
Além desse aspecto negativo do título numerado, o “experimental” REORC foi outro jogo que causou enorme dessabor na comunidade de fãs de Resident Evil. Embora ambientado na era de ouro da saga, a execução por parte da Slant Six foi abaixo do esperado, e tivemos como resultado um título com um potencial absurdo desperdiçado.
Todo erro leva a um aprendizado, e é isso que todos os fãs de Resident Evil desejam que tenha acontecido: um aprendizado por parte da Capcom. Obviamente, um jogo nos moldes da trilogia clássica seria totalmente inviável nos dias de hoje, como foi citado por Kadu Araújo, mas existem exemplos de franquias que conseguiram se reinventar dentro de si mesmas sem perder a essência e ainda assim mantendo um bom apelo comercial. Talvez o sucesso de Resident Evil: Revelations nos consoles de mesa possa mostrar o caminho a ser seguido daqui em diante, mas para isso é necessário que o jogo dê um bom retorno a Capcom. Não estamos falando aqui das 5 milhões de unidades que Resident Evil 6 vendeu, mas sim de um número que supra ou até mesmo supere as expectativas da empresa em relação ao título, que mesmo vendendo menos pode ser melhor sucedido comercialmente graças a um orçamento e a um esforço de desenvolvimento bem menor do que foi aplicado ao sexto jogo numerado.
O que desejamos é que Resident Evil volte a ter a essência de Resident Evil. O jogo criou uma identidade muito forte no final dos anos 90 e começo do ano 2000, e isso foi ficando para trás em meio a jogos cada vez mais sem identidade e até certo ponto genéricos. RE: Revelations pode não ser a salvação da franquia, mas deve mostrar que há um caminho muito coeso a ser seguido – e que isso pode fazer com que os futuros lançamentos caiam nas graças dos fãs como acontecia a alguns anos atrás.
Escrito por: André Ceraldi (Ceraldi)
Colaboração: Jonathan Loth (Resident Evil World); Michael Chandler (Resident Evil Center); Bruna Lanzillotta; Kadu Araújo (Judão) e Felipe Demartini (Resident Evil SAC)
Revisão: Ricardo Andretto (ThE cRaZy)
Data de publicação: 21/06/2013