Palworld - Pocket Pair

Nintendo processa Palworld – As implicações jurídicas sob a ótica do Direito Brasileiro

Este é o segundo artigo publicado pelo REVIL que trata de um assunto jurídico no mundo gamer. Leia também: As ações da Umbrella sob o olhar do Direito.

Desde o surgimento da indústria dos jogos eletrônicos, na década de 1970, várias disputas judiciais ocorreram entre desenvolvedoras de games. Um dos casos mais notáveis foi em 1981 nos Estados Unidos da América, quando a Atari, Inc., criadora do famoso jogo Asteroids, processou a Amusement World, Inc. por causa de um jogo chamado Meteors, que apresentava várias semelhanças com Asteroids.

Na época, o desenvolvimento de videogames estava em um estágio inicial, e era difícil distinguir claramente entre uma ideia e a expressão de uma ideia. Isto significa que havia muita dúvida sobre o que poderia ser protegido pelo Direito Autoral e o caso da Atari foi um dos primeiros a tratar sobre a proteção de jogos eletrônicos neste âmbito do Direito.

No processo, a Atari alegou que a Amusement World copiou seu jogo, porém, o tribunal decidiu que ideias em si não podem ser protegidas pelo Direito Autoral, apenas a maneira como estas ideias são apresentadas. Com isto, ficou estabelecido que os jogos podem ser protegidos como obras audiovisuais, ou seja, pela maneira como são exibidos na tela, incluindo gráficos e sons.

No caso específico de Asteroids e Meteors, o tribunal concluiu que as semelhanças entre os dois jogos eram resultado de uma ideia comum: “naves espaciais lutando contra asteroides”. Esta ideia, por si só, não podia ser protegida por direitos autorais. Além disto, as limitações tecnológicas da época também influenciaram o julgamento, já que os dois jogos acabavam sendo parecidos devido às restrições dos computadores e consoles disponíveis.

Em resumo, o tribunal decidiu que a Amusement World não violou os direitos da Atari, porque as semelhanças entre os jogos vinham da ideia de “naves espaciais e rochas no espaço”, e não da forma como os jogos foram criados ou apresentados. Este caso foi um marco importante para definir que as leis de direitos autorais protegem como um jogo é feito, e não a ideia básica por trás dele.

Recentemente, surgiu uma notícia que chamou a atenção no mundo dos games. A Nintendo, famosa por suas sagas como Super Mario Bros., Donkey Kong e Zelda, ajuizou uma ação no Japão em conjunto com a Pokémon Company contra a Pocket Pair, desenvolvedora do jogo Palworld. O motivo? A Nintendo e a Pokémon Company alegam que Palworld estaria violando direitos de patente.

A Nintendo é notoriamente conhecida por proteger com rigor seus direitos de Propriedade Intelectual, que envolvem diversas áreas do Direito. Sendo assim, vamos analisar esta notícia que claramente possui questões jurídicas bastante interessantes e que envolvem o Direito Autoral, Propriedade Industrial e, é claro, o Direito Internacional.

Aliás, o conteúdo deste artigo é uma extensão do material desenvolvido para um vídeo no canal Bomba Jurídica no YouTube, que se dedica ao estudo do Direito Brasileiro de forma acessível e interessante. Enquanto o vídeo aborda certos pontos de maneira geral, este artigo aprofunda aspectos específicos, fazendo com que o conteúdo do vídeo e do artigo se complementem.

 

RESUMO DO CASO

De acordo com o que saiu na imprensa gamer, como no portal IGN, a Nintendo, em conjunto com a Pokémon Company, entrou com uma ação judicial no Japão contra a desenvolvedora Pocketpair, alegando que o jogo Palworld violou direitos de patentes. A Nintendo busca uma liminar para impedir a continuidade das supostas infrações e também pede indenização por danos. A empresa reforçou que continuará tomando medidas rigorosas para proteger suas propriedades intelectuais.

Palworld, lançado inicialmente em janeiro de 2024, foi um grande sucesso, vendendo mais de 15 milhões de cópias e alcançando milhões de jogadores simultâneos em plataformas como Xbox e Steam. O jogo foi apelidado pela comunidade como “Pokémon com armas” devido à sua semelhança com a famosa franquia da Nintendo, gerando acusações de plágio e especulações de que uma ação judicial era iminente.

A Pocketpair se defendeu, afirmando que não tem conhecimento das patentes específicas que teria violado e que investigará as alegações. A empresa lamenta o impacto do processo no desenvolvimento do jogo, mas se compromete a continuar aprimorando Palworld para seus fãs.

Palworld

CONCEITOS BÁSICOS DO DIREITO

Primeiramente, vamos esclarecer alguns conceitos pertinentes para entender melhor o que está acontecendo neste caso e deduzir algumas possibilidades, já que, até agora, poucos detalhes foram divulgados sobre as alegações da Nintendo.

O que é o Direito Autoral? Trata-se de um ramo do Direito que estabelece os princípios e as normas jurídicas que protegem os direitos de autores, artistas ou criadores de obras intelectuais. Isto inclui obras literárias, artísticas ou científicas, como livros, músicas, filmes, desenhos, entre outros. O objetivo do Direito Autoral é garantir que os criadores sejam reconhecidos e possam se beneficiar financeiramente da exploração comercial de suas obras, além de outras questões importantes.

Por exemplo, o visual do Pikachu, um personagem icônico da Nintendo, é protegido pelo Direito Autoral. Da mesma forma, os monstros presentes no Palworld também estão protegidos por este mesmo ramo do Direito, já que são frutos da criatividade humana.

Vale lembrar que o Direito Autoral protege a expressão de uma ideia, ou seja, a forma como algo é apresentado ao público, e não a ideia em si. Por isto, elementos criativos como desenhos, personagens e músicas estão resguardados pelo Direito Autoral. Em um eventual processo judicial, a Nintendo poderia, por exemplo, alegar violação de Direito Autoral caso algum dos monstros de Palworld fosse muito semelhante a um dos seus próprios, como o Bulbassauro, e isto configuraria plágio.

Bulbassauro - Nintendo
Bulbassauro, personagem da Nintendo

Certo, mas o Direito Autoral protege patentes? Não! Esta área é regulada pela Propriedade Industrial, outro ramo do Direito que estabelece os princípios e normas jurídicas que buscam proteger criações humanas ligadas à atividade industrial e comercial. Isto inclui invenções, patentes, marcas, desenhos industriais, entre outros.

Mas o que é uma patente? Uma patente é um direito concedido pelo Estado que garante ao inventor o monopólio exclusivo de exploração de sua invenção por um período limitado. Por exemplo, no Brasil este período é de 20 anos. Em troca, o inventor deve divulgar publicamente como sua invenção funciona. Assim, ele pode comercializar, licenciar ou explorar economicamente sua criação, impedindo que terceiros o façam sem autorização.

Tá, e o que é uma invenção? Uma invenção é uma criação humana que resolve um problema técnico específico, oferecendo uma solução prática e aplicável. Ou seja, é algo novo que melhora um processo ou cria uma tecnologia para superar um obstáculo. De forma simples, podemos dizer que uma invenção é uma solução técnica para um problema técnico.

Para que uma invenção seja patenteável, ela deve cumprir requisitos estabelecidos pela lei brasileira, sendo que esta análise é feita pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o órgão competente no Brasil. O Artigo 8º da Lei de Propriedade Industrial define que uma invenção é patenteável se atender aos seguintes critérios:

  • Novidade: A invenção deve ser inédita, nunca divulgada anteriormente;
  • Atividade Inventiva: Ela deve apresentar uma inovação que não seja óbvia para especialistas da área;
  • Aplicação Industrial: A invenção precisa ter uma utilidade prática e ser aplicável em escala industrial.

Um exemplo de patente no mundo dos games é o sistema de controle portátil e modular sem fio do Nintendo Wii. A patente da Nintendo descreve um sistema de entretenimento que inclui uma unidade principal e controles portáteis. Esses controles detectam seus movimentos com base em emissores de luz posicionados ao lado da tela, permitindo uma experiência de jogo interativa. Eles também podem ser conectados a unidades de expansão, personalizando a interface de controle para aplicações específicas.

Nintendo
Controle do Nintendo Wii

Lembrando que existem muitos outros exemplos de patentes no setor de jogos eletrônicos, como as da Capcom, Bloober Team e BioWare.

ANÁLISE DO CASO

Agora que esclarecemos estes conceitos, vamos voltar ao caso da Nintendo contra a Pocket Pair.

Com base no que foi abordado, é possível que o problema no caso do Palworld esteja relacionado a uma mecânica de jogo ou a algum sistema técnico inovador patenteado pela Nintendo, que teria sido utilizado sem a devida autorização. Se fosse uma questão de plágio, a análise seria feita à luz do Direito Autoral, conforme já mencionamos.

A Nintendo, no entanto, alega violação de patente. Portanto, o ponto chave é entender: qual patente está sendo supostamente violada? O que os desenvolvedores do Palworld podem ter utilizado que infringe uma invenção patenteada pela Nintendo? Que tipo de invenção patenteada pela Nintendo hipoteticamente foi usada indevidamente pela Pocket Pair?

De novo, note que não se trata de uma questão de Direito Autoral propriamente dita, como alegar que “Palworld é uma cópia de Pokémon”. Com o devido respeito, tal alegação de cópia não se sustenta, visto que o Direito Autoral protege a expressão de ideias, e não as ideias em si.

Embora existam semelhanças temáticas entre Pokémon e Palworld, pois ambos giram em torno da captura e treinamento de monstros, a Nintendo não detém a ideia de “capturar monstros”. As ideias são livres e não podem ser protegidas. O que pode ser protegido são as expressões específicas desta ideia, como o visual dos personagens, os cenários, ou a narrativa.

No caso de Palworld, apesar de a premissa lembrar Pokémon, o jogo adota uma abordagem distinta, com um estilo gráfico próprio e mecânicas de jogo que misturam captura de monstros, tiroteios e elementos de sobrevivência. Estes aspectos tornam a expressão criativa da ideia substancialmente diferente da de Pokémon.

Independentemente disto, este processo judicial envolve patentes e está ocorrendo no Japão, o que significa que devemos levar em consideração a legislação japonesa. Embora existam tratados internacionais entre os países que estabelecem regras mínimas a serem observadas, é preciso lembrar que as leis de cada nação podem adicionar nuances importantes.

Por exemplo, o Artigo 10 da Lei de Propriedade Industrial no Brasil lista o que não pode ser considerado uma invenção e, portanto, não pode ser patenteado. Entre os itens mencionados estão os programas de computador em si.

Sendo assim, programas de computador, por si só, não são considerados invenções, sendo protegidos pelo Direito Autoral. Contudo, se um programa de computador for um componente importante de uma invenção, ele pode ser protegido, mas é importante destacar que a proteção se aplica à invenção como um todo, e não ao software isoladamente.

Por exemplo, uma máquina de raio-x que utiliza um programa de computador para operar pode ser uma invenção patenteável. O que se protege é a máquina, o conjunto da invenção, ou seja, o funcionamento integrado entre a máquina e o programa, e não o software por si só.

Outro item na lista deste Artigo 10 da Lei são as regras de jogo. As regras ou métodos que governam o funcionamento de um jogo — seja de tabuleiro, cartas, jogos eletrônicos ou esportes — não são patenteáveis. Isto ocorre porque as regras de jogo são vistas como conceitos intelectuais, lúdicos, abstratos, e não como invenções técnicas ou produtos físicos que possam ser protegidos por patentes.

Apesar disto, aparentemente a Lei Japonesa define especificamente a possibilidade de patentear programas de computador e outras inovações tecnológicas relacionadas a software. Entretanto, é fundamental ter cautela ao analisar superficialmente sistemas jurídicos de outros países. A compreensão de um sistema jurídico não pode se restringir a uma leitura literal das leis, sendo necessário considerar aspectos culturais, práticos e as nuances do entendimento jurídico local.

Como destaca Pierre Legrand em sua obra “Como Ler o Direito Estrangeiro”, a interpretação das normas jurídicas é profundamente influenciada por contextos históricos e sociais, e esta particularidade pode impactar diretamente a aplicação do Direito. Percebe-se que o Direito não é um conjunto isolado de regras, mas sim um reflexo das realidades vividas por uma sociedade. Portanto, ao examinar a possibilidade de patentear um programa de computador no Japão, é essencial entender o ambiente jurídico e cultural que molda esta questão, evitando conclusões precipitadas.

Ace Attorney
Ace Attorney, jogo da Capcom que tem “batalhas” nos tribunais

O QUE ESPERAR DESTE CASO?

Diante de toda esta análise, é evidente que precisamos de mais informações sobre quais patentes da Nintendo foram supostamente violadas pela Pocket Pair. Sem estes detalhes, corremos o risco de permanecer apenas no campo da especulação. É importante ressaltar que este caso não se trata de uma questão de Direito Autoral, mas sim de Propriedade Industrial, onde as invenções são o foco central.

O objetivo deste artigo foi proporcionar uma compreensão mais clara sobre o funcionamento, os objetivos e as particularidades do Direito Autoral e da Propriedade Industrial. Agora, devemos aguardar o andamento do processo, ansiosos para descobrir as alegações específicas da Nintendo e o desfecho que poderá impactar a indústria dos games como um todo. O desenrolar deste caso poderá não apenas esclarecer a situação em questão, mas também oferecer novas perspectivas sobre a proteção legal de inovações tecnológicas no universo dos jogos eletrônicos.