Uma defesa ao filtro de “mijo” nos videogames…

A sétima geração de consoles ficou marcada na história por grandes títulos se consolidando e outros nascendo. The Last of Us, Uncharted, Grand Theft Auto V, Red Dead Redemption… a lista é enorme. Mas algo incomodava os jogadores nessa geração e não estou falando do preço e problemas de hardware. Era o efeito visual amarelado usado em grande parte dos jogos — apelidado pela comunidade de filtro de “mijo”.

Resident Evil 5, Grand Theft Auto IV e Gears of War são exemplos que usaram e abusaram dessa tonalidade, seja para representar um pôr do sol intenso ou para intencionalmente dar peso à sua trama.



Resident Evil 5 com seu filtro padrão

O filtro não se iniciou nessa geração, entretanto. Já sexta geração, alguns títulos como Metal Gear Solid 3: Snake Eater e Grand Theft Auto: San Andreas haviam dado início ao uso de tons esverdeados, amarelados e alaranjados. E com o tempo isso foi sendo visto como sinal de repetitividade.

Hoje em dia isso é pouco usado, mas talvez fosse interessante voltarmos a usar esses tons quentes e vou explicar o motivo. Assista ao conteúdo desse artigo em vídeo no canal @revil do YouTube:

 

O FILTRO TEM SEU LUGAR

Esse ano tivemos o lançamento de Metal Gear Solid Δ: Snake Eater, o remake do título mencionado. E assistindo aos trailers e vendo as imagens divulgadas, algo parecia fora do lugar. Desenvolvido na Unreal Engine 5, o jogo possui por padrão uma tonalidade realista e fria que acaba tirando parte de sua identidade visual original.

Em um raro momento onde vemos a Konami se importar novamente com suas franquias, esse talvez seja o projeto em que ela mais se preocupou em desenvolver. Como relatado pelo produtor Noriaki Okamura, inicialmente a equipe analisou diversas maneiras de como abordar o remake. Após discussões, escolheram se manter fiéis ao material original.

Pisando em ovos, a Konami precisou atrair uma nova legião de fãs enquanto ainda flertava com os fãs antigos. Com isso, MGSΔ não teve nenhuma mudança de level design e as cutscenes e vozes permaneceram as mesmas — apenas em uma qualidade aprimorada. O destaque da mudança ficou exclusivamente para sua jogabilidade completamente retrabalhada e mais próxima dos títulos recentes da franquia.

E uma das formas de ajudar a manter o jogo nostálgico para o antigo público foi implementando uma simulação das cores originais. Com o filtro ‘’Legado’’, nós temos a opção de nos agarrar à nostalgia e ver Snake Eater mais próximo daquilo que os fãs se lembram. Apesar de entender quem prefira jogar sem isso, afinal é puramente gosto pessoal, a verdade é que eu particularmente tive uma experiência melhor jogando com ele ativo.

Metal Gear Solid Δ: Snake Eater [Filtro LEGADO: Ativado]
Metal Gear Solid Δ: Snake Eater [Filtro LEGADO: Desativado]
Nesse filtro Legado, o jogo coloca um sutil tom esverdeado, e por vezes amarelado, que traz uma característica única em sua ambientação. Se passando no meio de uma floresta da União Soviética na década de 60, Snake Eater se beneficia do uso dessas tonalidades para criar um sentimento único que te transporta para aquele universo.

O uso de tonalidades específicas inclusive está presente em longas metragens e séries para representar localidades ou épocas distintas. Quem nunca viu o México sendo representado por uma paleta de cores completamente amarelada que atire a primeira pedra. Fato é que, apesar de ser um estereótipo criado dentro das mídias, essa diferença de tons cria a sensação necessária para a história ou cena específica.

Na sexta geração, como dito anteriormente, o uso desses filtros ainda não era uma tendência, mas já existiam exemplos que apontavam para o que viria a se tornar moda na geração seguinte. Grand Theft Auto: San Andreas é um dos exemplos precursores que, sem seu pôr do sol alaranjado, não teria metade do impacto em nossas memórias.

Quando a Definitive Edition de San Andreas foi lançada, ela não possuía isso e acabou sendo alvo de reclamações do público (por esse e por diversos problemas que a remasterização trouxe). Hoje, após alguns updates e com a inclusão da tonalidade clássica, o jogo está um pouco mais próximo de sua versão original e de como deveria ter sido lançado nas plataformas atuais.

Grand Theft Auto: San Andreas Definitive Edition após a inclusão do filtro
Grand Theft Auto: San Andreas Definitive Edition sem o filtro

O público gosta desses filtros quando se é levado em consideração a nostalgia de alguns títulos, então fica a questão: por que a depreciação ao falar dele?

O ÓDIO DO PÚBLICO

Talvez o principal fator pelo início do ódio, que vemos muito nos dias de hoje, tenha sido de fato o uso recorrente em jogos durante a sétima geração de consoles (PlayStation 3 e Xbox 360). Seja por questões técnicas para mascarar texturas de baixa qualidade, escolha artística ou puramente copiando a tendência, muitos jogos exageraram no uso da técnica. Isso acabou deixando uma marca na geração, fazendo alguns dos jogos parecerem iguais aos demais. Não posso julgar, pois eu mesmo cheguei a ficar cansado desse uso exagerado, mas foi quando testei Resident Evil 5 sem filtro algum que minha percepção começou a mudar.

Há um mod feito pela comunidade que retira sua forte tonalidade esverdeada, então quando descobri isso algum tempo atrás corri pra testar e ver Resident Evil 5 em todo seu potencial sem aquela ‘’sujeira’’ visual… e inicialmente eu fui convencido de que o jogo estava melhor.

Resident Evil 5 é um dos casos onde a intensidade do filtro é levado quase ao limite, então sem ele tudo parece vivo e bonito. É um choque visual imediato. Eu via cores onde antes estavam escondidas. O céu era azul e radiante como deve ser e as árvores verdes e vivas. Mas, com o tempo, o jogo me pareceu estranhamente cansativo.

Resident Evil 5: Filtro nativo
Resident Evil 5: Filtro desativado

A questão é que esse tom característico é essencial para transmitir a sensação de isolamento e perigo. Resident Evil 5 não é para ser um jogo cheio de cores vibrantes e bonitas, mas sim um realismo sujo e opressivo — ou ao menos é o que ele tenta ser. Com o filtro removido, o jogo parece muito mais um título qualquer de ação e aventura do que um Resident Evil.

Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots é outro exemplo de uso intenso, mas que também se torna essencial para a experiência geral. Enquanto Resident Evil 5 se passa em um local remoto da África, Metal Gear Solid 4 se expande para locais variados ao longo da história. E em ambos os casos e em todos os momentos, o uso da técnica é essencial para passar a sensação de conflito, mistério e adrenalina desejada.

Com o emulador RPCS3, é possível remover sua paleta desbotada e ver como a tonalidade natural acaba com a identidade do jogo.

Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots com o filtro nativo
Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots com o filtro desativado via RPCS3

A verdade é que quando um jogo se aproveita de uma direção artística forte e viva, o uso de um filtro é completamente dispensável e até mesmo deve ser evitado, pois o uso de cores fortes faz parte daquela proposta. Concordamos que seria um crime colocar uma camada artificial em Clair Obscur: Expedition 33, afinal nele a direção artística está presente como uma pintura e não queremos tirar a cor minuciosamente idealizada pelos criadores daquele mundo.

Porém, em determinados jogos, o uso de tonalidades quentes não só podem contextualizar a ambientação, como também transmitir sensações que seriam difíceis de se alcançar apenas com texturas realistas e cores vibrantes.

É o caso de jogos onde o objetivo é te fazer sentir no subconsciente o que a narrativa se propõe: jogos de ação, terror psicológico, mistério e que representam décadas passadas ou locais fora dos habituais. Todos eles querem — ou deveriam — te fazer sentir a emoção apenas ao olhar para a tela.

CONCLUSÃO E COMO DAR UMA NOVA PERSPECTIVA EM SEUS JOGOS

Em resumo, gostaria que mais jogos tivessem a coragem de usar nativamente essa técnica como no passado. Talvez o uso constante ficasse novamente manjado com o tempo, mas quem sabe essa seja uma aposta melhor que a estética fria que tanto vemos atualmente.

E mesmo fora da aplicação nativa nos jogos, ainda podemos simular efeitos semelhantes por meio das configurações dos monitores e TVs usando a tonalidade de cores “Quente”. É diferente do uso de um filtro específico e mais intenso, mas com isso a tela prioriza as cores amarelas, vermelhas e laranjas acima das azuis. Pode ser um pouco estranho de início, mas é questão de tempo para se acostumar.

Navegando pelas configurações da sua tela você deve encontrar essa opção para testar com seus próprios olhos. Em jogos quentes e áridos como Red Dead Redemption e Mad Max, a sensação de calor pode ficar mais intensa. Em jogos de terror, o clima pode ficar mais sufocante.

Essa tonalidade pode até mesmo melhorar sua leitura de textos e arquivos longos nos jogos. É uma diferença sutil, mas que quando se acostuma é difícil voltar atrás. E claro, tudo depende do conteúdo que você estará consumindo. Em jogos onde cores vibrantes são parte da direção de arte, talvez seja melhor usar a configuração padrão.

Resident Evil Requiem com uma simulação de tonalidade mais quente
Resident Evil Requiem com sua tonalidade padrão

Por fim, deixo a pergunta ao leitor… preferem o uso de filtros e tonalidades mais quentes na tela ou o visual frio e realista? Acredito que isso tenha uma ampla variedade de opiniões, então nos diga a sua.