Após quase dez anos sem um novo lançamento (e com o último título tendo praticamente enterrado a franquia), o anúncio de Dead Rising Deluxe Remaster foi realmente uma grande surpresa. Embora a Capcom já seja uma empresa conhecida por seus inúmeros ports, remasterizações e remakes, Deluxe Remaster não parecia com nada que a japonesa havia feito até então. Uma remasterização do jogo de 2006 inclusive está disponível para praticamente todas as plataformas modernas, então onde que essa nova versão se encaixa? Dead Rising Deluxe Remaster de fato não é um remake nem uma reimaginação, mas é sem sombra de dúvidas a melhor versão do jogo.
Aberto ao público desde 2006
Para quem está conhecendo a franquia agora, Dead Rising foi lançado originalmente como exclusivo para o Xbox 360 e trouxe uma apresentação única e impressionante, contando com gráficos modernos e inúmeros inimigos em tela ao mesmo tempo, além da possibilidade de usar quase todos os objetos do cenário para matar hordas e hordas de zumbis. Na trama do jogo, o fotojornalista Frank West freta um helicóptero para investigar uma pista que recebe sobre a pacata cidade de Willamette. Ao chegar lá, ele descobre que a cidade foi tomada por zumbis e selada pelo exército. Querendo entender como tudo isso aconteceu, Frank é deixado em um shopping center onde ele terá 72h para descobrir a verdade antes que o único meio de escapar da cidade, seu helicóptero, venha buscá-lo. O que se segue é uma história cheia de intrigas, conspirações e sátira ao estilo de vida norte-americano.
Nova Fórmula e Embalagem
Quando esta nova versão foi anunciada com o estranho título Deluxe Remaster, fiquei pensando quais seriam as novidades que o jogo traria, e por que ele não foi considerado um remake. Após terminar o jogo posso atestar que seu subtítulo, apesar de não ser dos melhores, faz sim sentido: Dead Rising Deluxe Remaster é em essência o mesmo jogo, mas com diversas melhorias que fazem com que esta seja a experiência que os jogadores tanto queriam no lançamento original.
Dead Rising é um título que envelheceu bastante, não em questão de gráficos, mas em mecânicas e jogabilidade. A dificuldade do jogo de 2006 se dava muito por conta de seu controle, sistema de save com um único slot e a tenebrosa inteligência artificial dos sobreviventes. Realizar os golpes eram ações complicadíssimas que envolviam inúmeros botões, o sistema de save sem checkpoints e com um único espaço para salvar obrigava o jogador a voltar diversas seções do jogo para conseguir prosseguir, e uma missão de escolta poderia se tornar a experiência mais frustrante do jogo. Simplesmente fazer com que um personagem se movesse de um ponto A até um ponto B se mostrava uma tarefa hercúlea, com os personagens simplesmente se recusando a se mover ou mesmo se atirando em meio às hordas de zumbis. Diversos desses pontos foram alvo de reclamação na época de seu lançamento, mas se esses problemas eram notáveis em 2006, em 2024 um jogador novo poderá achar tudo isso muito mais frustrante. Mas enfim, o jogo precisava de uma nova versão trazendo essas melhorias? Não, mas fico extremamente contente que ela exista.
Tendo rejogado o título original no começo deste ano, experimentar a versão “de luxo” é praticamente como se eu estivesse jogando a versão que eu sempre quis do jogo. Enquanto o título original acabava sendo frustrante por conta dessas questões, a versão Deluxe Remaster em comparação é como um passeio no shopping. Acabaram-se os dias de ficar desesperado tentando fazer com que os sobreviventes se movessem, obviamente ainda dá trabalho cuidar deles e levá-los até a sala de segurança, mas a experiência agora é muito mais natural e os personagens respondem aos comandos de Frank. Também houve a inserção de um sistema de afinidade, onde ao passar mais tempo com os personagens e ao entregar itens que eles gostem, os sobreviventes vão se esforçar mais para ajudar Frank. Mas devido ao sistema de tempo do jogo, acaba sendo um pouco complicado ficar com os sobreviventes o suficiente para que o nível de afinidade chegue ao máximo.
Outra adição incrível são as falas dos personagens. Todos os diálogos que antes se davam em texto, agora estão totalmente dublados (inclusive com uma excelente localização em português do Brasil). Poder ouvir os personagens falando e dando dicas para Frank durante sua trajetória pelo shopping é uma experiência muito mais imersiva. Até mesmo os psicopatas receberam algumas melhorias. Desta vez, um certo personagem não vai mais causar um stun-lock em Frank, e um psicopata que era mais uma vítima do que assassino pode ser poupado pelo jogador.
Dead Rising é conhecido por seu rigoroso gerenciamento de tempo, mas as melhorias de jogabilidade e inteligência artificial tornam a exploração muito menos estressante. Também foi adicionada a possibilidade de avançar o tempo, e como há missões que só são liberadas em horários específicos, mas não o suficiente para que o jogador explore mais o cenário, essa é uma opção que eu mal consigo acreditar que não estava disponível no título original.
O jogo também conta com diversos espaços para saves e checkpoints. No título original, quando o jogador morria e não queria carregar um save, ele poderia começar um novo jogo com os atributos adquiridos até então. Isso se mantém no novo jogo, mas com a possibilidade de salvar em diversos espaços e o sistema de checkpoint. Fica muito mais fácil para poder ver tudo o que o jogo oferece sem ter que zerá-lo diversas e diversas vezes.
As transmissões de Otis também receberam um reajuste. Agora podemos atender as ligações enquanto fazemos outras ações, ao invés de apenas encerrar a chamada como no original. Os controles também receberam uma versão modernizada e é super natural. Agora podemos rolar usando um botão dedicado, mirar e andar ao mesmo tempo. Os golpes agora são bem mais fáceis de serem executados. É selecionar itens com os direcionais enquanto os gatilhos servem para mirar e para usar a câmera, que também recebeu novidades.
A câmera pode ser rotacionada, controlar o foco e até mesmo usar um flash com upgrades que encontramos pelo cenário. Apesar dessas novidades, eu particularmente senti mais dificuldade usando esse sistema, pois focar uma câmera na vida real é bem mais rápido do que em um jogo, e mesmo o botão de foco automático não conseguia focar nos objetos, mas ao menos é mais liberdade para que os jogadores possam fazer suas criações, ainda mais que a liberdade de opções é um dos alicerces da franquia.
Atacado e Varejo
Durante a exploração, o jogador poderá usar praticamente todos os objetos disponíveis no shopping, sejam itens decorativos, mobília, brinquedos, joias, ferramentas de jardinagem e até mesmo vestir as roupas das lojas. Esta nova versão inclusive conta com roupas exclusivas de DLC que até mesmo contam com trilha sonora personalizada para cada uma delas (mas você pode selecionar a trilha que quiser no menu). Ao usar a roupa de Chris Redfield eu pude selecionar o tema da save room de Resident Evil, que tocava no lugar da música ambiente do shopping. E essas roupas continuam durante as cutscenes, que mesmo sendo situações bem sérias, podem criar cenas muito cômicas.
Embora o jogo dê essa liberdade, ele é um videogame bem videogame, então a intenção não é buscar realismo, mas sim uma experiência cômica e arcade. O jogo possui diversas mecânicas como combinações de itens para criar comidas que dão habilidades temporárias para o Frank, e os atributos que ganhamos ao segurar livros, gerando uma infinidade de combinações. Além disso, o jogo conta com um sistema de Level Up onde Frank West aprende novas habilidades e aumenta seus status a cada nível evoluído. O jogador pode ganhar níveis eliminando inimigos, usando golpes especiais, resgatando sobreviventes e tirando fotos.
E por falar em fotos, como já foi anunciado previamente pela Capcom, a classificação Erotica (que o jogador recebia ao tirar fotos sensuais), foi removida. Não é um corte que faça falta para o título, inclusive quem estava preocupado que isso poderia afetar uma certa missão pode ficar tranquilo, pois ela se mantém intacta. Entretanto, o jogo recebeu pequenas alterações em algumas falas, como a do psicopata Cliff que chamava Frank de vietcongue e comunista, ou mesmo a aparência de Larry, o açougueiro, que foi alterada para não ser mais uma caricatura racista. Particularmente essas foram as poucas mudanças que eu notei em relação ao título original e, embora entenda quem poderia reclamar dessas mudanças, não é nada que afete a experiência do jogador, e isso se dá porque Dead Rising não perdeu sua essência e continua sendo uma sátira do estilo de vida norte-americano.
Deus abençoe a América
Mesmo o jogo parecendo bobo em um primeiro momento, tanto a sua jogabilidade quanto a trama são muito mais complexas do que aparentam. O gênero de filmes de zumbis surgiu como uma crítica social, e aqui a Capcom extrapola ao máximo para brincar com o gênero.
Em Dead Rising estamos presos em um shopping center, e podemos usar praticamente tudo que está disponível. Os sobreviventes vão desde personagens com histórias trágicas até mesmo absurdamente cômicas. Os psicopatas, bosses que enfrentamos no decorrer do jogo, acabam sendo vítimas da sociedade e do estilo de vida norte-americano.
Cliff é um veterano que está sofrendo com TEPT devido à guerra do Vietnã, Adam – o Palhaço, está preso em sua performance cômica em meio ao caos, Steven – o gerente de supermercado, cuja loja provavelmente nem é dele, está há anos trabalhando no mercado e para ele aquilo se tornou a sua vida, então proteger o mercado é a coisa mais importante para ele naquela situação. Há até mesmo um culto que se formou nesse meio tempo com os membros da seita perseguindo Frank e tentando matar os outros sobreviventes. São todos arquétipos e estereótipos de personagens norte-americanos que a Capcom exagera ainda mais em uma sátira ácida e bem humorada. Sem entrar em detalhes, mas toda a história do jogo faz uma crítica direta aos EUA. Tudo isso está muito bem conectado tanto com a jogabilidade e mecânicas do jogo quanto em sua intrigante, cômica e trágica trama.
Só mais 72h
Tal qual nas outras versões, tanto o modo Overtime quanto o Infinity estão disponíveis. O modo Overtime serve para encerrar a história do primeiro jogo, já o Infinity é um torturante modo onde o jogador deve sobreviver por tantos dias quanto conseguir, mas com o porém de que os itens de cura não são repostos e que o jogador vai perdendo vida com o passar do tempo. Isso faz com que o jogador precise explorar o cenário, com os inimigos ainda mais agressivos e agora com todos os sobreviventes tentando matar Frank no que é basicamente um modo arranged de sobrevivência. Ao derrotá-los, o jogador recebe itens aleatórios, que vão desde armas até consumíveis para cura. Este modo era particularmente mais difícil na versão original, pois o jogo não poderia ser desligado – se o jogador quisesse encerrar a sessão deveria começar desde o início. Desta vez, o jogo conta com uma opção para “pausar” a sessão, criando um save temporário de uso único, permitindo que o jogador possa continuar o modo em outro momento sem ter que deixar o console ligado.
Vale lembrar que essas são adições servem para dar opções para os jogadores que não podem ficar jogando por muito tempo, então caso o jogador queira ter a experiência “original”, basta ele não pausar a sessão (assim como o jogador pode não usar os checkpoints ou os diversos espaços para salvamento na campanha principal).
Performance
Mesmo com todas essas melhorias, não podemos esquecer que ele ainda é o mesmo jogo de 2006. Embora os gráficos tenham sido refeitos, as animações utilizadas ainda são as do jogo original, então todas as cenas continuam iguais, apenas com dublagem e gráficos novos. Por conta disso o jogo pode não parecer tão alto padrão quanto os jogos mais recentes da Capcom, ou mesmo controlar tão precisamente quanto um jogo mais moderno, mas todas essas atualizações fazem com que o jogo esteja em sua melhor forma até agora, e sendo extremamente convidativo não somente para novos jogadores, mas para os veteranos que amam Dead Rising mesmo com todas as suas falhas.
Entretanto, durante minha jogatina me deparei com diversos problemas de pop-in e pequenos glitches visuais. Já a performance do jogo está ótima e tive pouquíssimas quedas de fps, apenas em situações bem específicas. Então acredito que ao menos os problemas visuais podem ser corrigidos futuramente com alguma atualização.
Os Fatos
Dead Rising Deluxe Remaster não é um remake e nem um simples remaster, mas sim uma modernização de um título da era do Xbox 360. Seja novato ou veterano, todas as melhorias que o título recebeu fazem com que essa seja a melhor experiência que um jogador poderia ter com Dead Rising. O jogo está em sua melhor forma desde o seu lançamento original, trazendo mais expectativas para o retorno e futuro da franquia. Se a Capcom havia elevado o padrão de como fazer um remake com Resident Evil 4, aqui ela coloca o nível ainda mais alto quando o assunto é se fazer um remaster.
Eu mesmo consegui resgatar todos os sobreviventes em uma única run. Já tinha coberto esta guerra no Xbox 360, tá legal?
Dead Rising foi analisado com uma chave cedida pela Capcom Brasil da edição Digital Deluxe.
