A importância de George A. Romero para Resident Evil

No vídeo desta semana, falamos sobre George A. Romero, que ficou conhecido como o “pai dos filmes de zumbi modernos”. Nessa edição especial, passamos não só pela trajetória do Romero como cineasta, mas também relembramos a relação dele com Resident Evil, que vai desde seu papel como fonte de inspiração para a série até projetos de parceria, como o comercial de RE2.

Além de demonstrar a importância do Romero para a nossa franquia de jogos preferida o objetivo desse material é fazer uma homenagem ao mestre do terror e dos filmes de zumbis, que faleceu em 16 de julho de 2017 após uma batalha contra o câncer.

Quem foi George A. Romero?

George Andrew Romero nasceu em 1940, em Nova York. Depois da graduação na universidade em 1960, ele se juntou a 10 amigos e fundou uma produtora independente chamada Image Ten Productions. A partir dessa empresa, foi criado um marco na indústria cinematográfica e também pra nós, fãs de Resident Evil: A Noite dos Mortos Vivos foi lançado em 1968, com direção do Romero e roteiro escrito por ele e pelo colega, John A. Russo.

A Noite dos Mortos Vivos custou 114 mil dólares para ser produzido, ou seja, era um filme de baixíssimo orçamento, mas que rendeu 12 milhões de dólares só nos Estados Unidos.

Por que ele é o pai do zumbi moderno?

 Romero é considerado o pai do zumbi moderno (ou o pai dos filmes de zumbi modernos) porque ele estabeleceu o conceito atual do cadáver reanimado que come carne humana.

Até os filmes do Romero serem concebidos, o conceito de zumbi no cinema era totalmente diferente. A ideia era derivada da prática vudu, ligada ao Haiti, em que uma pessoa é revivida por um ato de bruxaria, e essa pessoa ficava sob o controle de quem fazia o feitiço.

O maior exemplo desse tipo de zumbi na cultura pop vem do filme White Zombie, estrelado pelo Bela Lugosi. No longa de 1932, o Bela Lugosi interpreta um bruxo que é um mestre vudu e que tem vários zumbis que ele controla e escraviza, só que ele resolve possuir uma moça, transformando-a em um zumbi.

Até Romero trazer a ideia dos zumbis como mortos reanimados por um motivo obscuro – nunca foi muito importante explicar porque aquelas pessoas haviam se transformado – a ideia de zumbi no cinema era esse estereótipo derivado das histórias do Haiti como foi mostrado em White Zombie.

O Zumbi Moderno

E como é esse zumbi moderno? É basicamente o que a gente vê nas mídias atuais, seja na série “of the Dead” de filmes do Romero e seus remakes, seja em Resident Evil ou The Walking Dead. Os zumbis do Romero são ameaças aos seres humanos, à nossa espécie mesmo. E daí vem também o conceito do “apocalipse zumbi”. Essas criaturas têm como único instinto se alimentar de carne humana, tentam fazer isso incansavelmente e só param quando a cabeça deles é destruída ou separada do corpo, de alguma forma.

Outras características ou conceitos relacionados aos zumbis que a gente vê aí em tantas mídias atualmente, também vieram dos filmes do Romero, como:

uma pessoa se transformar em zumbi a partir da mordida de outro zumbi: e daí veio a ideia de que um vírus, parasita, que seja, estaria envolvida nesse processo.

o andar lento: por conta da própria condição física (os zumbis estão mortos, então os tecidos podem estar decompostos, pode haver rigor mortis, o cérebro está definhando, etc).

a necessidade de destruir a cabeça pra matar um zumbi definitivamente: não é a toa que a frase clássica “atire na cabeça” é o melhor aviso pro apocalipse zumbi, sempre.

a vocalização dos zumbis: aqueles sons e gemidos característicos das criaturas.

Como Romero foi fonte de inspiração para Resident Evil?

Sendo o pai do zumbi moderno, o Romero é praticamente a fonte de inspiração mais básica para Resident Evil. Os games sempre se inspiraram em filmes de terror e são recheados de referências, mas em seus primórdios, antes de surgir o conceito de bioterrorismo, Resident Evil era um jogo de terror de sobrevivência em que os principais inimigos eram os zumbis da forma como foram concebidos pelo Romero. Vale lembrar esse conceito de zumbi foi modernizado com o tempo por outras mentes criativas e até pelo próprio cineasta.

O visual dos zumbis de Resident Evil, por exemplo, não segue o que o Romero estabeleceu em Noite dos Mortos Vivos. O Mikami preferiu se inspirar nas criaturas do filme Zombi 2, do italiano Lucio Fulci, de 1979 – que tem esse título por uma confusão entre o filme dele e os do Romero.

Talvez por limitações de produção ou até mesmo de imaginação (e quem sabe de censura pra época), os zumbis do Romero inicialmente eram mais “limpinhos”, como um morto que acabou de ser enterrado – com a pele pálida, os olhos fundos, apenas. Fulci foi além, e pensou “e se essas pessoas estão enterrados há muito tempo?”, “e se elas já começaram a apodrecer e as larvas começaram a comer carne delas” E daí veio o conceito do zumbi decomposto que a vemos mais comumente hoje e que também é amplamente usado em Resident Evil.

O próprio Romero também ampliou seu próprio conceito de zumbi ao longo da carreira.  Nos primeiros filmes, os zumbis eram mais “simples”, sem memória ou sem capacidade de fazer nada além de andar e tentar comer carne humana, mas que às vezes conseguiam usar armas brancas ou ferramentas pra conseguir atacar suas vítimas. A partir de Dia dos Mortos e Terra dos Mortos, os zumbis já começam a conseguir usar armas de fogo, por exemplo. Como o Romero nunca aprofundava muito em como aqueles zumbis surgiram ou quais eram as capacidades deles, não se sabe se eles eram inteligentes até certo ponto e se podiam aprender coisas.

Qual a relação entre Romero e Resident Evil?

Além de servir de fonte de inspiração, George Romero teve uma relação profissional muito próxima com Resident Evil, mas que acabou não dando muito certo.

Logo depois do sucesso do primeiro jogo da série a Capcom tinha como objetivo começar a expandir a franquia comercialmente. Isso incluía não só fazer uma continuação do primeiro game mas também em fazer filmes. Escolher o Romero como a principal mente criativa desse projeto era algo que seria bastante positivo para marca Resident Evil. O que poderia ter acontecido para essa mistura acabar dando errado?

Apesar de o primeiro filme com a Milla Jovovich só ter sido lançado em 2002, a Capcom já tinha vendido os direitos de Resident Evil pra Constantin Film em 1997. As coisas estavam andando muito rápido, especialmente porque Resident Evil era uma franquia recém lançada, com um jogo só… a decisão da Capcom em apostar em uma adaptação cinematográfica pode ter sido uma resposta ao sucesso da adaptação de Street Fighter para os cinemas. Na época, a própria Capcom foi a produtora – o filme não foi lá muito bem nas críticas, mas lucrou bem. Ainda assim, foi um negócio muito arriscado, e com um impacto financeiro muito grande pra uma empresa de games. Fazer filmes baseados nos jogos era uma boa ideia, o problema era ter que produzi-los e, por isso, a Capcom imediatamente vendeu os direitos para a Constantin Film.

Entre 97 e 98, os planos de fazer o filme de Resident Evil foram deixados em segundo plano pela Capcom, provavelmente por conta dos problemas na produção de Resident Evil 2. O jogo foi adiado, totalmente reformulado, mas precisava dar certo. Por isso, a Capcom investiu 1,5 milhão de dólares em um comercial de tv do game que foi dirigido por ninguém menos do que George Romero.

As filmagens aconteceram na prisão Lincoln Heights em Los Angeles. A locação foi toda adaptada pra lembrar a RPD e a Capcom fez um mini-documentário do making of de toda a produção. Apesar do dinheiro investido, os comerciais nunca foram exibidos inteiros fora do Japão. O principal motivo foram restrições contratuais da principal estrela dos vídeos, o ator Brad Renfro – que na época era o maior crush das meninas no mundo inteiro.

Quando começou a se falar sobre um comercial de Resident Evil dirigido pelo Romero, imaginar que ele seria o diretor ou roteirista do filme que estava por vir era uma associação óbvia.

Em 1998 o próprio Romero anunciou oficialmente que faria o filme de Resident Evil em parceria com a Constantin Film. Já na época ele afirmou que faria um filme de ação com zumbis, com uma abordagem diferente da série “of the Dead”.

No entanto, no ano no seguinte, em uma entrevista pro Chicago Tribune, o Romero sinalizou que as coisas não estavam indo muito bem: ele disse que já havia escrito vários roteiros diferentes e que nenhum deles havia sido aprovado pela Constanti Film. Pouco depois, um mega balde de água fria. Durante a E3 de 99, Yoshiki Okamoto, que era produtor da Capcom na época, declarou que um filme de Resident Evil seria produzido, mas que nem havia um roteiro pronto ainda – as tentativas do Romero não tinham sido consideradas boas nem pela Constantin Film, nem pela Capcom, então, basicamente, Romero havia sido demitido.

Depois da notícia do afastamento, uma série de rumores sobre os motivos da demissão começaram a surgir. De acordo com o IGN, Romero não tinha conseguido captar a essência de Resident Evil direito. Um dos roteiros, inclusive, lembrava muito Despertar dos Mortos e a produtora queria algo mais original. Ainda, parece que Romero também estava com algumas ideias meio retrógradas – os vários roteiros que ele teria feito foram considerados literalmente bregas pela Constantin Film.

Pouco tempo depois o próprio Romero reconheceu que ele não tava em sintonia com o que a Constantin Film buscava. Ele disse em uma entrevista para a revista Director’s Guild of America:

“Resident Evil era um projeto com uma empresa alemã. Toda história tem dois lados, mas eu acho que eles estavam ligados no espírito do jogo e queriam fazer um filme mais voltado para ação, algo mais pesado do que eu achei que deveria ser. Eu acho que eles nunca gostaram do meu script” – George A. Romero.

Com a saída definitiva do Romero do projeto em 99, o nome de Paul WS Anderson foi cotado pela Constantin Film. O principal motivo teria sido o sucesso do filme de Mortal Kombat, lançado em 95. Alguns meses depois os rumores se tornaram oficiais e o Paul Anderson foi anunciado como o diretor e roteirista de Resident Evil.

A notícia causou um monte de reações negativas da internet, especialmente quando a sinopse do filme foi divulgada e basicamente não tinha nada a ver com o primeiro jogo da série. Pouco tempo depois, mais um detalhe colocou lenha na fogueira: o primeiro rascunho do roteiro do Romero, escrito em 98, caiu na internet. Apesar de alguns tropeços, como o Chris índio e tendo um relacionamento com a Jill, esse roteiro inicial tinha muito mais semelhanças com o jogo do que a sinopse do filme oficial, o que obviamente só aumentou a fúria dos fãs.

Depois de todo o alvoroço, Romero quase não falou mais sobre toda essa confusão. Ele chegou a fazer um post em seu blog pessoal comentando a decepção com o projeto:

“A gente se matou pra fazer aquele roteiro. Eu falo de maratonas de escrita, 72 horas, direto. Queria muito pegar esse projeto. No fundo do meu coração, Resident Evil era como uma reimaginação de Noite dos Mortos Vivos. Fiquei devastado e magoado [com o fim do projeto] por que gostei do jogo” – George A. Romero.

Uma declaração do Paul Anderson depois de ter concluído o primeiro filme da franquia, deixa claro que o objetivo da Constantin Film não era “fazer mais um filme do Romero”, mas sim trazer algo novo; a ideia era tornar Resident Evil um hit pra um público mais jovem, talvez.

“Resident Evil é bastante inspirado em um gênero do qual eu sou um grande fã, como a Noite dos Mortos Vivos, Despertar dos Mortos e Dia dos Mortos – a trilogia do Romero. E não só esses, mas também os filmes do Lucio Fulci. Foi isso que me atraiu no jogo – que não era forte só pra fazer um filme, mas também trazia a oportunidade de reinventar um gênero de filme que não era feito há mais de 20 anos” – Paul WS. Anderson.

E foi exatamente isso que Paul WS Anderson fez – não foi revolucionário, mas trouxe novos ares que realmente iniciaram um renascimento dos zumbis no cinema. Querendo ou não, o primeiro filme de Resident Evil foi um pontapé pra uma renovação dos filmes de zumbi que vieram depois dos anos 2000 – incluindo aí um do Romero, Terra dos Mortos, que foi lançado em 2005 e, quem sabe, abriu espaço para que The Walking Dead seja a febre que é hoje.

Infelizmente, a relação entre Romero e Resident Evil não foi só de flores, mas é fácil dizer que a série de jogos e até mesmo os filmes derivados dela representam um dos vários legados que o Romero deixou.

Com informações de: tay.kinja.com