REVIL: Como surgiu a oportunidade de trabalhar em Resident Evil Degeneration?
Felipe Grinnan: Quando cheguei a São Paulo no início do ano, vindo do Rio de Janeiro, comecei a procurar as empresas dizendo que estaria na cidade a partir de agora. A Dublavídeo foi uma das primeiras a me abrir as portas e, desde então, tem me dado papéis para conhecer o meu trabalho na prática, pois somente haviam me ouvido em algumas dublagens. Eles estão me experimentando aos poucos, e este personagem é mais um investimento nessa parceria.
Você já conhecia a série quando foi chamado para dublar Leon Kennedy?
FG: Nunca fui muito de jogar vídeo-game. Sou da fase do Atari, Odissey e outros consoles mais antigos, e as plataformas mais recentes são todas novidade para mim. Porém, eu sabia da existência do jogo, pois várias vezes dei notícias sobre “Resident Evil 2: Apocalipse” no Movie Box, programa do Telecine do qual sou locutor. Quando fui dublar Leon S. Kennedy, não sabia do que se tratava, e fiquei surpreso quando percebi que trabalharia em “RE Degeneration”.
R: Qual momento você consideraria o “ponto alto” de Leon durante a aventura?
FG: Há uma cena em que ele e Claire estão em um lugar, e se encontram com um monstro que é o irmão dela…
R: Na verdade, acho que este monstro é Curtis, o irmão de Angela.
FG: Isso mesmo. Esse monstro me chamou atenção, pois os produtores o criaram muito assustador. A animação do filme poderia ter sido mais caprichada, pois as expressões faciais são um pouco duras e hoje temos filmes muito mais bem feitos, mas essa criatura se destacou. Esta primeira cena de batalha contra ele é muito boa.
R: Para você, qual a melhor e a pior característica de Leon?
FG: Ele é bastante destemido, me pareceu até um Capitão Nascimento em Resident Evil por causa de sua bravura [risos]. O lado negativo, e acho que isso não é só dele, é que geralmente todas as pessoas corajosas acabam incorrendo em uma certa arrogância. Mas isso já é de se esperar de alguém que possui tais habilidades de combate e chegou ao nível em que ele está na profissão de agente especial.
R: E você se identifica com ele?
FG: [risos] Não sou o Capitão Nascimento, mas me considero um cara corajoso. Uma qualidade minha é ter tido a coragem de largar tudo que eu tinha no Rio de Janeiro, minha família e uma vida estabilizada, para vir para uma cidade enorme e cheia de dificuldades como São Paulo. É preciso ser muito corajoso para tomar uma atitude como esta, e me identifico nisso com Leon. Sei encarar as coisas de frente, sempre procurando uma possibilidade e seguindo em meu caminho.
R: Como foi o processo de dublagem do filme?
FG: Cada dublador interpretou suas falas individualmente, e as gravações do meu papel duraram cerca de 5 horas. Foi um processo relativamente simples, mas uma grande questão foi que a animação muitas vezes não acompanhava o ritmo das falas originais. Eventualmente, o personagem fechava a boca e o áudio continuava, ou os lábios se mexiam muito pouco em uma frase longa. Então, eu precisei articular menos e diminuir algumas frases, e a dificuldade foi adaptar o texto para coincidir com os movimentos labiais dos personagens.
R: Isso acontece em alguns games da série: a boca do personagem muitas vezes não condiz muito bem com a frase que está sendo dita.
FG: A dublagem brasileira tem uma preocupação muito forte em tentar arrumar esse tipo de coisa, quando se percebe que não houve uma preocupação nesse sentido no original. Tentamos sempre caprichar em português, e se a frase é grande demais e a animação não a acompanha, normalmente a fala é cortada de forma que encaixe.
R: Você trabalhou a voz para interpretar Leon?
FG: Quando faço uma dublagem, tento não impor a minha voz a nenhum personagem, e sim ouvi-lo e imitá-lo. Se você me pedisse para interpretar Leon agora eu não conseguiria fazer, pois preciso da referência original para produzi-la em português. Mas a voz do agente é um pouco mais firme e grave, bem seca. Uma fala dura, de alguém que sabe que tem várias batalhas pela frente, e precisa de foco e concentração para enfrentá-las.
R: Quais são as diferenças entre dublar um longa, um seriado e um anime?
FG: Fazendo um anime ou seriado, você vai ao estúdio várias vezes durante meses ou até anos. Fiz Drake & Josh durante cinco anos, e nesse tempo o personagem cresceu e eu acompanhei e mudei junto, sendo essa a principal característica de uma série live action. Já os personagens de anime, a princípio, não envelhecem, e com o tempo a interpretação vai ficando mais fácil, pois você já sabe o que fazer e como vai reagir a determinadas situações. Um filme é algo mais concentrado: possui começo, meio e fim. Você conhece a história e faz o seu personagem, podendo até mesmo pesquisar sobre ele na internet. É interessante por ser mais fechado, você sabe exatamente o que vai acontecer e faz seu trabalho em no máximo seis horas.
R: De todos os seus trabalhos, qual seu personagem favorito?
FG: Na verdade, tenho dois, ambos ligados a minha parte afetiva. Um deles é o personagem principal de A Dama e o Vagabundo. É um desenho da minha infância e sua redublagem foi meu primeiro longa metragem e o primeiro filme da Disney que fiz. O segundo foi Hulk, no filme com Eric Bana. Foi muito especial, eu gostava da música tema e do Bruce Banner quando criança, mas tinha medo do monstro no qual ele se transformava. Então, se passam 20 anos e a minha voz está naquele personagem. Também gostei muito de fazer o Marty, em Madagascar, que pra mim é um personagem divertidíssimo.
R: É o melhor do filme, na minha opinião.
FG: O leão Alex é mais sério, Melman e Glória são personagens menores, mas aquela zebra é muito engraçada, e traz um astral muito legal para o filme. Na seqüência, ele vai para a África e reencontra a família, cerca de mil zebras todas iguais e com a mesma voz. Fiquei dois dias inteiros para gravar a mesma cena, que teve de ser refeita cerca de 30 vezes, pois contracenava comigo mesmo. Em um determinado momento do filme existem 50 zebras, todas falando ao mesmo tempo com a minha voz.
R: Qual o principal conselho para alguém que queira iniciar na carreira de dublador?
FG: Seja um ótimo ator. O dublador é aquele que faz algo que ele nunca viu; ele não ensaia uma peça de teatro ou decora a cena em casa para uma novela ou filme. É preciso ter uma disponibilidade como ator muito grande para qualquer papel, pois você tem que interpretar na hora. Você não ensaia, prepara o personagem, pesquisa ou faz laboratório; na dublagem, em um momento você é o Leon e no outro o Hulk, e deve sempre encontrar uma voz e realizar o trabalho. Para ser capaz de entender o clima, a cena e a voz original, é preciso muita bagagem, saber inglês e português muito bem, ter vocabulário e criatividade para alterar um texto de forma que ele encaixe. Enfim, ser um ator completo. Prepare-se muito bem antes de fazer o curso para que, quando estiver dublando, as cenas não sejam um desespero de dificuldade, e sim apenas um desafio.
R: E daqui para frente, quais são os seus projetos?
FG: Estou em São Paulo agora, a princípio para sempre. Tenho feito cada vez mais locução e diversos comerciais, e esta é uma carreira em que quero investir. Estou fazendo um anime chamado “Blackjack”, em que interpreto o personagem principal, um médico inicialmente antiético, mas que sempre visa salvar seus pacientes, mesmo cobrando uma fortuna por isso. Também estou dublando uma série toda cantada que se chama “Imagination Movers” (“Os Imaginadores”, no Brasil). Estou tentando cada vez mais me tornar um dublador paulistano conhecido e com bons vínculos com os estúdios.
R: Para terminar, deixe uma mensagem para os fãs que estão lendo esta entrevista.
FG: Quero que os fãs de RE saibam que eu sempre quis fazer um trabalho muito legal, fiquei muito feliz e estou ansioso para ver o resultado. De início, eu não conhecia muito bem a importância deste filme e, dando uma pesquisada na internet, vi como ele é discutido e é importante para muitas pessoas. Minha dedicação foi integral. Dediquei-me ao máximo e fiz a minha parte. Torço para que todos gostem, e que continuem me ouvindo e se comunicando comigo, pois tento não deixar ninguém sem resposta, por mais que demore.