O pai espiritual de Resident Evil, Shinji Mikami, diz não ter envolvimento com o suposto Resident Evil 4 Remake. Apesar de não confirmado, o desenvolvimento do título vazou há meses na internet, inclusive em um documento de planejamento da Capcom. A declaração foi dada em uma entrevista ao site Variety, onde ele ainda afirma não ter ouvido falar do assunto, ao menos pelos times da companhia, mas que há uma boa fórmula por trás da propriedade que pode ser usada para gerar receita e “aumentar os negócios”.
Mikami, que celebra 30 anos na indústria dos jogos, fala ainda sobre as visões criativas ao longo de sua passagem pela Capcom e por outras empresas que desenvolvem jogos, entre elas o estúdio Tango Gameworks, onde permanece há dez anos. Sua primeira experiência fazendo jogos “foi um inferno” que o quase fez deixar a indústria pela exaustão de ter de trabalhar até às 5 horas da madrugada, todos os dias, por três meses. Esse início foi com um jogo de GameBoy, até passar por outras propriedades licenciadas da Disney e parar no que se tornaria Resident Evil.
Especificamente sobre a franquia, Mikami diz ter enfrentado críticas desde o começo. A ideia era criar um jogo de terror inspirado em Sweet Home, também sob responsabilidade da Capcom, mas as pessoas o perguntavam se um “personagem que segura uma arma” funcionaria em um título desse tipo. Eles questionavam: “não é ruim ter o personagem principal realmente derrotando a criatura assustadora do jogo?”. O profissional conta ter insistido bastante para que o desenvolvimento permanecesse da forma que tinha imaginado e prosseguisse.
Shinji Mikami acreditava que o primeiro Resident Evil, lançado em 1996, venderia meio milhão de cópias e que “provavelmente pararia”, mas isso não aconteceu e, devido ao sucesso, uma sequência logo foi encomendada com ele quase deixando a companhia antes de “RE2“. É que o profissional queria colocar mais a mão na massa como desenvolvedor, mas foi orientado a ser apenas produtor, largando a direção para Hideki Kamiya. Mesmo assim, esse foi outro título que ele teve que ouvir críticas e, desta vez, sucumbir ao que os outros achavam ser o correto.
RE2 estava 70% completo quando resolveram reiniciá-lo. “Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, os líderes desse time vieram e disseram: ‘Queremos jogar fora tudo isso e fazer de uma maneira diferente’. Era esse nível de pessoas talentosas [que tínhamos]”, diz Mikami. No fim, apesar de interferências, ele afirma estar “muito grato” pelos executivos da Capcom permitirem a mudança, o que resultou em um jogo muito diferente do que eles trabalhavam. O sucesso de RE2 levou à Resident Evil 3: Nemesis, outro título que Mikami atuou apenas como produtor e que teve a direção de Kazuhiro Aoyama até o seu retorno como diretor em Resident Evil 4.
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Resident Evil 4 é o jogo que Shinji Mikami confessa ter sido o que mais acompanhou o “fluxo das coisas” e que ele sentiu que “foi o mais divertido” de se fazer. Também foi o mais polêmico, desde a sua inicial exclusividade no Nintendo GameCube à preocupação com a aceitação do público e os comentários ásperos da equipe interna da Capcom. “Me lembro de receber duas páginas de relatório cheios de comentários com coisas negativas do tipo ‘isso não é Resident Evil, isso totalmente não é Resident Evil e não vou deixar acontecer'”, fala. “Mas eu tive sorte de ter um coração forte e sobrevivi a tudo isso.”
Sobre o contrato de exclusividade com a Nintendo, Mikami diz ter surgido pelo momento da indústria, pois havia a crença que a direção da Sony, com o PlayStation, e da Microsoft, com o Xbox, no mundo dos jogos não funcionasse e “eles talvez voltassem a fazer o que eles eram bons e conhecidos”. “Naquele momento, eu pensava que ‘bem, a Nintendo pode ser a única a ter um futuro de jogos para as pessoas – não só para as crianças, mas para os adultos’. E eu estava completamente enganado.” Ele lembra ter até colocado seu cargo a disposição quando questionado se “realmente não iria lançar em outras plataformas”. “Se você quiser fazer isso, terá que me demitir primeiro”, revela ter falado ao chefão da Capcom na época, Tsujimoto Kenzo.
Ele relembra o episódio com bom humor, até aquele em que ele coloca a vida em risco pelo jogo – e foi motivo de piada na Capcom por um bom tempo por isso. “Tornar [Resident Evil 4] multiplataforma provavelmente foi a melhor coisa a se fazer do ponto de vista dos negócios”, diz. Visões criativas, descartadas de RE4, deram origem a outra franquia de sucesso: Devil May Cry.
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Mikami deixou a companhia anos depois, trabalhou na Clover Studio, fez “God Hand“, mas o estúdio fechou. Passou pela PlatinumGames e pela direção de “Vanquish” até criar o seu próprio estúdio, Tango Gameworks, com pessoas que ele define como “muito talentosas”, com desenvolvedores veteranos e novatos. Pouco tempo depois, a empresa foi vendida para a ZeniMax Media, vinculada à Bethesda, e que hoje pertence à Microsoft.
Nesse novo ambiente, Mikami dirigiu “The Evil Within“, mas assim como na Capcom ou nas outras desenvolvedoras, teve que dar o braço a torcer sobre suas visões criativas – ou sofreu interferências para que o produto saísse diferente do que tinha imaginado. “The Evil Within“, por exemplo, começou como um projeto chamado “Noah” e terminou com uma evolução para algo completamente diferente. “Acho que se eu tiver a chance de fazer um jogo do começo ao fim completamente com a minha visão daí, definitivamente, seria o meu último projeto como diretor”, conta. Ao ser questionado se desenvolveria o conceito original de “Noah“, ele diz que talvez sim.
Atualmente, Shinji Mikami trabalha no lançamento de “Ghostwire: Tokyo“. Ele faz o trabalho de supervisão ao diretor Kenji Kimura e confessa estar encorajando que eles “realizem a sua visão” para o jogo. “Basicamente, apenas estou resolvendo problemas onde há problemas para se resolver.”
A indústria dos jogos eletrônicos certamente não é tão perfeita quanto algumas pessoas pintam por aí, mas Mikami certamente merece estar no hall da fama dos criadores que mais influenciaram gerações. Ele também é o principal responsável pela popularização do gênero survival horror no mundo.