Os Survival Horrors já tiveram sua era de ouro, mesmo franquias consagradas como Silent Hill ou Fatal Frame já não são tão relevantes quanto foram um dia. Neste cenário, verificamos o advento de jogos de empresas independentes que são muito importantes para manter o gênero vivo e influente. Apesar disso, uma reclamação constante dos fãs era que os jogos de terror, em sua grande maioria, não passavam de “simuladores de caminhada” ou eram jogos onde os protagonistas eram completamente indefesos. Inicialmente lançado em agosto de 2020, em sua versão beta, e definitivamente disponibilizado em junho de 2022, surge no mundo dos jogos Fobia St. Dinfna Hotel, um jogo brasileiro independente que remete à era de ouro dos survival horrors que, apesar de alguns problemas, entrega uma experiência incrível sem deixar a dever em nada a títulos AAA.
Bem-Vindo a Treze Trilhas
Na trama do jogo, acompanhamos Roberto Leite Lopes, um jovem jornalista que viaja até a cidade de Treze Trilhas, Santa Catarina, em busca de seu primeiro furo de reportagem ao investigar estranhos eventos paranormais que atingiriam a pacata cidade. Para isso, ele se hospeda no hotel St. Dinfna, que dá título ao jogo. Porém, após vários dias sem pistas, ele se vê transportado para uma versão completamente destruída do hotel, que foi tomado por monstros e terríveis criaturas.
Clássico porém moderno
Fobia St. Dinfna Hotel funciona como um bom e clássico survival horror: o jogador precisa explorar o hotel, encontrar itens e resolver puzzles para conseguir avançar e descobrir o que está acontecendo. Exploração é a palavra chave aqui. Durante o jogo, você precisará explorar muito bem o cenário para encontrar formas de prosseguir na história. Assim que assumimos o controle do Roberto, já temos uma introdução muito boa de como o jogo irá funcionar: nós estamos presos em nosso quarto e precisamos achar um jeito de sair. Nisso, o jogador irá explorar o quarto, pegar itens, ler documentos que dão pistas e resolver puzzles para conseguir sair deste lugar.
Neste quesito, os fãs de Survival Horror já estão familiarizados, mas o jogo em nenhum momento segura na sua mão. Então, você precisará prestar muita atenção nos cenários e nas pistas para conseguir avançar na trama. Todo o seu cenário é incrivelmente rico e não deve em absolutamente nada a jogos estrangeiros com maior orçamento. O hotel é cheio de detalhes impressionantes e conta com uma narrativa ambiental que faz com que o jogador perceba o caos que se instaurou naquele local e o que os hóspedes fizeram para tentar sobreviver. Há também diversas referências espalhadas pelo jogo, como a alguns jogos famosos, à cultura pop em geral ou mesmo referências diretas a alguma personalidade da internet (algumas delas que contribuíram muito para o desenvolvimento e divulgação do jogo).
Com a visão em primeira pessoa, Fobia conta com uma mecânica muito interessante, que é o uso da câmera fotográfica. Ela permite que você veja uma versão “alternativa” do hotel. Dessa forma, ao usá-la, você pode encontrar itens, passagens escondidas e outras pistas para conseguir prosseguir em sua jornada.
Eu vou quebrar a cabeça
Para quem sentia falta de colocar os neurônios para funcionar, Fobia conta com puzzles que exigem um pouco mais de esforço na hora da resolução. Houveram vários momentos que tive que explorar mais atentamente o cenário para encontrar pistas que ajudassem na solução, ou, até mesmo, acabei pesquisando sobre xadrez na internet por conta de um quebra-cabeça. Outra coisa a ser considerada é o seu fator replay. Fobia não deixa muito evidente durante a gameplay, mas conta com side quests que servem tanto para itens extras como para contar mais um pouco da história, o que aumenta a vida útil do jogo.
Apesar da construção, interconectividade dos cenários, exploração e backtracking serem excelentes, o mesmo não pode ser dito sobre o combate. Durante o jogo, as criaturas que encontramos no caminho, até mesmo alguns chefes, têm um design um pouco genérico e sem tanta variedade, com a IA bem limitada, além da ausência de física no impacto dos tiros dados durante o combate. Há, também, uma certa variedade de armas que encontramos no decorrer do jogo, além de um gerenciamento de recursos bem satisfatório, mas, mesmo assim, é aconselhável que o jogador use seus recursos com parcimônia. Esse gerenciamento não só vale para a munição como também os itens de cura (eu mesmo passei grande parte do jogo com a vida baixa por não ter encontrado tantos recursos para tal, então ser cuidadoso é o ideal).
O cuidado com a vida não é somente ideal como também é imprescindível, pois o jogo não conta com checkpoints, então caso de morte, voltará para o último save que feito (assim como nos survival horrors e jogos de terror à moda antiga). O inventário do protagonista também é limitado, mas o jogador pode encontrar itens para expandi-lo durante o jogo, além contar com baús espalhados pelo cenário para guardarmos os itens excedentes ou que não serão usados naquele momento. Apesar disso, em nenhum momento eu senti a necessidade de guardar os itens, pois sempre tive espaço para o que eu precisava.
Embora os cenários do jogo sejam extremamente ricos e detalhados, o mesmo não pode ser dito sobre os personagens. Infelizmente, eles aparentam ser menos trabalhados e acabam lembrando bonecos de borracha, o que também acaba acontecendo com os inimigos. Apesar disso, um ponto muito interessante do jogo é a dublagem que conta com dubladores estreantes e consagrados, como o Alexandre Marconato, que emprestou sua voz ao Magneto de Michael Fassbender, ao Tenshinran de Dragon Ball e ao nosso ilustre detetive Sebastian Castellanos, de The Evil Within. Outra presença ilustre é a da Carol Valença, a voz da Abby de The Last of Us parte 2.
Como o enredo se passa numa cidade fictícia do interior de Santa Catarina, logo fiquei surpreso ao ver um protagonista com um sotaque que foge do eixo Rio-SP, algo muito bem-vindo, principalmente, em um jogo tão importante para o crescimento da indústria nacional. Mas, como nem tudo são flores, infelizmente faltou um pouco de direção para os dubladores, que muitas vezes têm reações que não condizem com as cenas que estão acontecendo no jogo.
A trama de Fobia vai sendo construída aos poucos à medida que o jogador vai encontrando e lendo os arquivos espalhados enquanto explora o hotel. O enredo é bem desenvolvido e interessante, mas ele remete muito mais às obras estrangeiras do que nacionais, uma oportunidade que, eu acho, que poderia ter sido melhor aproveitada, levando em consideração o aspecto do desenvolvimento do projeto e é algo que eu espero ver nos futuros títulos da Pulsatrix Studios.
Conclusão
Fobia: St. Dinfna Hotel é um projeto extraordinário, que ajuda a elevar os jogos nacionais a outro nível. O jogo não é apenas para os fãs brasileiros, mas um excelente survival horror que nos remete a uma experiência clássica com requintes modernos e que não deve em nada a produções maiores. Apesar de alguns problemas, Fobia não é apenas uma experiência incrível, mas também um dos melhores jogos de terror dos últimos tempos.
A cópia de Playstation 4 objeto desta análise foi gentilmente disponibilizada pela Pulsatrix Studios. Fobia: St. Dinfna Hotel também está disponível para Playstation 5, Xbox One, Xbox Series S|X e PC.
Colaborou com a revisão de texto desta análise: Natália Sampaio