Como as autoridades brasileiras pretendem combater o jogo ilegal de cassino no país

O avanço do mercado de jogos de azar online no Brasil trouxe à tona um importante desafio para o governo e as autoridades fiscais: o combate ao jogo ilegal, especialmente envolvendo cassinos e plataformas offshore.

Com a regulamentação parcial das apostas de quota fixa (Lei 14.790) e o lançamento oficial de licenças em 2025 e o aparecimento de ofertas como 30 rodadas grátis, o país iniciou um plano abrangente que combina bloqueios técnicos, restrição financeira, regulação de conteúdo e punições, com o objetivo de fortalecer o mercado legal e proteger os cidadãos.



Bloqueio de sites ilegais e o domínio exclusivo “.bet.br”

Desde outubro de 2024, sob orientação do Ministério da Fazenda e da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tem bloqueado domínios de sites não autorizados. A primeira leva de bloqueios incluiu cerca de 2.040 domínios, seguida por mais 1.400 no final de outubro e 1.812 em janeiro de 2025, totalizando mais de 5.200 sites barrados em território nacional.

Além disso, um dispositivo regulatório estabelece que apenas plataformas com domínio “bet.br” podem operar legalmente no Brasil. Esse uso exclusivo de domínio serve como mecanismo de segurança, proporcionando ao consumidor uma forma clara de identificar sites regulamentados.

Restrições aos pagamentos e monitoramento financeiro

O governo exige que instituições financeiras, incluindo bancos, operadoras de cartão de crédito e carteiras eletrônicas, bloqueiem transações para sites ilegais. Desde o início de 2025, o Pix e as transferências tradicionais têm sido alvo de fiscalização robusta, para evitar que recursos assistenciais, como os do Bolsa Família, sejam utilizados em plataformas não autorizadas.

Adicionalmente, a SPA, o Banco Central e a Receita Federal iniciaram investigações contra instituições de pagamento que facilitam operações de operadoras irregulares. O objetivo é cortar a principal via de financiamento desses sites, muitas vezes usada para lavagem de dinheiro.

Bloqueio rápido de conteúdo e publicidade online

Com o acordo firmado entre a SPA e o Conselho Digital do Brasil – representando gigantes como Google, Meta, TikTok, Amazon e Kwai – a remoção de conteúdo e propagandas irregulares será acelerada. Plataformas digitais passaram a receber pedidos imediatos de exclusão de anúncios suspeitos, reforçando a visibilidade do mercado legal e bloqueando a exposição de plataformas clandestinas.

Essa iniciativa pretende garantir que somente sites licenciados multipliquem seus anúncios e que conteúdos ilegítimos sejam rapidamente retirados, reduzindo o apelo do jogo ilegal junto ao público.

Suspensão de licenças por falhas na segurança

A SPA já suspendeu licenças de operadoras legalmente registradas, porém com falhas graves na infraestrutura. Em junho de 2025, duas plataformas tiveram o licenciamento temporariamente retirado por não apresentarem certificações mínimas de segurança cibernética, conforme exigido pela Portaria SPA/MF nº 722/2024. Essa medida reforça a mensagem de que operar legalmente implica seguir padrões técnicos rigorosos.

Medidas legislativas e audiências públicas

O Congresso aumentou o ritmo dos debates em torno do jogo ilegal. Em abril de 2025, a Comissão de Fiscalização Financeira da Câmara aprovou requerimentos para audiências públicas, com a participação de agentes como o secretário Regis Dudena, da SPA; o diretor da Polícia Federal, Andrei Rodrigues; e o secretário nacional do Consumidor, Wadih Damous Filho. O objetivo é discutir ações mais eficazes contra os operadores clandestinos e reforçar a fiscalização

Registro e reconhecimento facial: controle do perfil dos usuários

Para operar no novo mercado, foi instituído um sistema de cadastramento de usuários com reconhecimento facial, além de associação obrigatória a uma conta bancária brasileira. Esse controle permite um rastreamento integrado das operações no Sistema de Gestão de Apostas (Sigap), dificultando o anonimato e limitando fraudes.

Essa exigência também é válida para impedir que beneficiários de programas sociais utilizem esses recursos para apostar ilegalmente, uma prática identificada em 2024, que chegou a representar cerca de R$ 530 milhões em apostas feitas por beneficiários do Bolsa Família.

Fiscalização por SENACON e controle estadual

A Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), ligada ao Ministério da Justiça, tem reforçado sua atuação, exigindo que operadoras licenciadas ofereçam recursos de jogo responsável, limitem propagandas agressivas e estabeleçam condições claras de autoexclusão e atendimento a vulneráveis.

Ainda neste contexto, estados como Rio de Janeiro (por meio da LOTERJ) e Ceará avançam em regimes próprios de licenciamento, provocando discussões jurídicas sobre a competência entre União e estados, temas que já chegaram ao STF.

Desafios e novos passos

Embora o conjunto de medidas seja complexo, autoridades reconhecem que os operadores ilegais empregam estratégias sofisticadas, como uso de VPN, domínios alternativos e entidades offshore. A interlocução entre SPA, Anatel, Receita e instituições financeiras segue em evolução, com monitoramento em tempo real, atualização constante de listas negras e novas ferramentas de rastreamento.

A expectativa é que até o fim de 2025 o Brasil consiga consolidar um ecossistema regulado eficiente, capaz de reduzir significativamente a presença de operadoras não autorizadas e permitir ao mercado legal um ambiente competitivo e transparente.

O Brasil enfrenta um momento histórico na gestão do jogo online: a transição de um cenário semi-regulado e permeado por ilegalidade, para um sistema uniforme e integrado. As medidas adotadas, que combinam bloqueio técnico, restrições financeiras, reconhecimento facial, domínio exclusivo e supervisão técnica, formam uma estratégia robusta contra o jogo ilegal. O sucesso, no entanto, dependerá da persistência na aplicação dessas ações e na capacidade de adaptação frente às novas formas de evasão implementadas pelas plataformas clandestinas. Se bem-sucedida, esta iniciativa poderá servir de modelo regional para outros países da América Latina, no combate aos jogos ilegais e no fortalecimento de mercados de apostas mais seguros e responsáveis.