Alfred Ashford: análise do personagem

Alfred Ashford é um dos antagonistas em Resident Evil CODE: Veronica. O irmão gêmeo de Alexia também é “neto” de um dos fundadores da Umbrella, Edward Ashford. Filho entre aspas mesmo, já que Alfred e Alexia são o fruto de experimentos de manipulação genética com o DNA de Veronica Ashford, a lendária matriarca da família, dotada de enorme inteligência. Esperando trazer Veronica de volta à vida, Alexander, o “pai” dos gêmeos, acabou produzindo as duas crianças que infernizam a sua vida em CODE: Veronica.

Enquanto Alexia era vista como prodígio e uma espécie de nova versão de Veronica, Alfred era apenas uma criança mais inteligente do que a média. Nutrindo um amor incondicional pela irmã, Alfred se transformou em um leal escudeiro que sempre viveu na grandiosa sombra de Alexia.

Representado como um vilão mentalmente instável em CODE: Veronica e totalmente sádico em The Darkside Chronicles, Alfred é um personagem bem mais complexo do que aparenta. Recentemente, ele foi citado na matéria “De vilões a protagonistas: a evolução dos personagens gays nos games”, do UOL Jogos: “Em 2000 a Capcom nos trouxe um outro personagem gay, dessa vez em “Resident Evil Code: Veronica”, no qual o principal antagonista, Alfred Ashford, acabou se mostrando um crossdresser maluco obcecado por sua irmã gêmea, uma clara alusão a Norman Bates do filme ‘Psicose’. Seus trejeitos apenas reforçaram o estereótipo de ‘gay afetado’, quase ofensivo”. Mas será que o Alfred é só um crossdresser louco ou “gay afetado”?

Alfred e Norman

Alfred parece ter sido bastante inspirado em Norman Bates, o insano protagonista de “Psicose”. Assim como Alfred, Norman é totalmente instável emocional e mentalmente, além de os dois terem síndrome de identidade dissociativa. Oi?

Durante a infância e adolescência, Norman Bates sofria abuso emocional constante da própria mãe, Norma, que era extremamente possessiva em relação ao filho. Ela tentava afastá-lo sexualmente de outras mulheres, não só dizendo que o sexo era algo errado e pecaminoso, mas que todas as mulheres eram vadias (exceto ela mesma). Quando Norma arruma um namorado, Norman é consumido pelo ciúme e mata a própria mãe e o companheiro. Depois de assassinar o casal, ele forja uma carta, em que Norma relataria que matou o namorado e, em seguida, cometeu suicídio. Apesar de ter matado a própria mãe, Norman sentia falta dela e desenvolveu a síndrome de identidade dissociativa: ele assumia a identidade dela (inclusive se vestindo como ela) para suprir a ausência de Norma.

Apesar de Alfred não ter nem sequer tentado matar a própria irmã, ele acaba assumindo um comportamento semelhante ao de Norman Bates. Depois de Alexia ter entrado em seu sono criogênico de 15 anos, Alfred passa a se vestir como a irmã, imitar sua voz e criar diálogos em que ele mesmo conversa com “ela”.

Se vestir como Alexia também era libertador para Alfred, de certa forma. Enquanto era ele mesmo, Alfred era apenas um soldado, um eterno servo, sempre à sombra. Enquanto era Alexia, ele despertava em si mesmo tudo aquilo que sempre o encobriu. A mistura de personalidades na mente de Alfred era tão doentia quanto a de Norman, ao ponto em que os dois não têm total consciência de quem realmente são. Quando Alfred se vê no espelho maquiado e imitando a voz de Alexia, mas sem sua peruca loira e vestido, ele entra em completo choque: a visão real de si mesmo é devastadora – sou Alfred, o servo e não Alexia, a rainha. Nesse ponto, talvez Norman e Alfred se misturem um pouco mais. Enquanto o personagem de “Psicose” carregava o peso do assassinato da mãe nas costas, o gêmeo de Alexia poderia ser consumido por uma culpa de ter inveja da própria irmã. Um sentimento indigno e distante da devoção exagerada que Alfred nutria por Alexia, mas ainda assim, totalmente possível.

E o incesto?

As referências a “Psicose” levantam uma outra questão complicada sobre Alfred. A obra da Hitchcock traz um Norman Bates com Complexo de Édipo, com um amor doentio e que ultrapassa as barreiras do sentimento maternal e entra em algo mais homem-mulher. Isso levou muita gente a acreditar que a relação entre Alfred e Alexia poderia ter cunho incestuoso.

Em CODE: Veronica Alfred demonstra diversas vezes o amor doentio que sente pela irmã. “Alexia é minha irmã, é um gênio e possui uma beleza incomparável. Ela é tudo para mim. Eu superaria qualquer obstáculo e estaria disposto a arriscar minha vida por ela.” (…) “Irei construir um palácio onde apenas os nobres poderão se reunir. Não posso permitir que os plebeus vejam minha querida Alexia, a quem minha vida é devotada. Ela reina no mundo como rainha, me tendo sendo seu servo. Esse é meu sonho, e quão doce será. Aquelas realizações serão a prova de meu amor por Alexia. Esse é o propósito de minha existência.”

Alfred coloca Alexia em um pedestal. Enquanto ela reina, ele será seu eterno servo. Ele não somente dedica sua vida inteiramente à irmã, como reduz sua própria existência a servi-la. Tudo o que CODE: Veronica mostra através de files ou de cenas é que Alfred enxerga a irmã como um ser inalcançável, acima de qualquer outro, quase como uma divindade.

Ainda que as referências a “Piscose” tragam incesto para essa confusão de sentimentos no relacionamento entre Alfred e Alexia, poucos detalhes parecem deixar explícito que existiria um sentimento amoroso homem-mulher entre ambos. Ainda, o abismo entre os dois causado pela absurda grandiosidade de Alexia parecem ser um grande obstáculo para que Alfred sequer se sentisse digno para amar a irmã dessa forma. Porém, ainda temos “Berceuse”, a canção de ninar dos dois irmãos, que dão a entender que exista sim um sentimento incestuoso entre os dois.

 

Havia um rei amistoso, porém ingênuo
Que se casou com uma rainha muito arrogante
O Rei era amado
Mas a Rainha era temida.

Até que um dia, enquanto passeava pela corte
Uma flecha atravessou o coração do Rei,
Ele perdeu sua vida
E sua amada senhora.

A canção acaba refletindo a relação entre os irmãos e o destino de Alfred, que morre com um tiro disparado por Steve. A música, apesar de inocente, fala de um casal, uma rainha (Alexia) e um rei (Alfred) que se amam e, inclusive, são casados. Berceuse e as referências à “Psicose” acabam reforçando a questão do suposto incesto entre Alfred e Alexia.

É, mais bizarro do que você pensava.

Mais complicado ainda: sexualidade

Resident Evil não é uma série que aborda muito a sexualidade de seus personagens. Apesar da paixonite de Leon e Ada, o “fogo” de Jessica por Chris, o sentimento que cresce entre Jake e Sherry ou a atração que Claire sente por Neil, quase nunca vemos essa questão ser levantada pelos jogos. O mais perto que a gente chegou de realmente discutir esse lado dos personagens foi quando o diretor criativo de REORC revelou que Dee-Ay era homossexual.

Ainda que os jogos não abram tanto espaço para abordar a sexualidade, os fãs discutem sobre isso. No caso de Alfred, muita gente automaticamente assume que ele seja homossexual pelo hábito bizarro de se vestir como a irmã. Mas peraí… uma coisa não tem nada a ver com a outra.

A sexualidade do Alfred não é abordada em CODE: Veronica de forma explícita. Não sabemos se existe uma preferência por homens ou mulheres. Aliás, ao contrário do que todo mundo assume, se Alfred realmente nutria um amor incestuoso pela irmã, ele pode ser considerado heterossexual. E os trejeitos? Bom, se a gente não sabe nada sobre a preferência sexual de Alfred, seu jeito de agir ou o hábito crossdresser nada dizem sobre ele ser gay ou não.

Na real, Alfred é o típico almofadinha-lorde-super-educadinho-mimado, o que pode confundir as coisas e alimentar esteriótipos ofensivos (que, well, nem estão lá). Mais do que um mero crossdresser e um sádico insano, Alfred tem várias facetas que talvez nem tenham sido contempladas aqui em sua totalidade. O mais interessante disso tudo é que as coisas são mais sutis do que parecem, alguns detalhes são implícitos e abrem debates sempre válidos entre os fãs.