Por que Resident Evil 4 é inesquecível?

Em 11 de janeiro de 2015 Resident Evil 4 completa 10 anos. Lançado inicialmente nos Estados Unidos, o título saiu somente para Game Cube, o que deixou os ânimos meio exaltados entre alguns fãs. Mas a ~polêmica~ em torno de RE4 não ficou só girando em torno da guerra de consoles: o game marcou a franquia Resident Evil, dividiu a opinião dos fãs e é alvo dos mais ávidos debates até mesmo hoje, uma década depois de ter chegado ao mercado.

Resident Evil 4 é inesquecível por uma série de motivos, mas aqui levantamos alguns deles.

Beta

Como lembrar-se de RE4 sem falar do famoso beta? Talvez o famigerado “Resident Evil 3.5” só não seja mais comentado, investigado e destrinchado pelos fãs do que o beta de RE2, a “versão 1.5”.

O que os fãs batizaram de  RE 3.5 é um conjunto de vários estágios de desenvolvimento de Resident Evil 4, que incluíram uma série de conceitos que foram abandonados e deixam muita gente curioso sobre como o game seria. A produção de RE4 parece ter passado por muitos momentos criativos bem distintos, o que reflete bem as tentativas da Capcom de tentar fazer algo novo, diferente – e que isso não foi nada fácil.

Parte do que foi incialmente criado para Resident Evil 4 acabou sendo reaproveitado para outros jogos da Capcom, como Devil May Cry e Haunting Ground.

Um dos conceitos mais marcantes do beta era em um estágio em que Leon se tornaria infectado pelo vírus Progenitor. Pelo que o trailer inicial indicava, teríamos Leon em busca das origens do Progenitor, invadindo um castelo e enfrentando um inimigo bastante estranho (mas que agora parece beeem familiar). Toda essa coisa de revisitar as origens da história invadindo castelos e tudo mais lembra muito o que acabamos vendo em Resident Evil 5, especialmente o tal inimigo do trailer, um Uroboros “beta”, por assim dizer.

Outro conceito super marcante foi mostrado posteriormente, em que Leon estaria sofrendo de alucinações (talvez pela infecção?). Tudo parecia ter uma pegada meio sobrenatural, com um inimigo que perseguia o protagonista com um gancho, além de umas bonecas “possuídas”.

Coincidência ou não, quase 10 anos depois, Shinji Mikami criou seu próprio jogo com uma abordagem mais psicológica/sobrenatural, The Evil Within.

Para saber mais sobre o tema, leia o artigo “As versões beta de Resident Evil 4“.

Guerra de Consoles

Se tinha uma galera que tava em pé de guerra antes e pouco depois do lançamento de RE4, eram os fãs de Resident Evil. Em 2005 os fóruns e a internet discada bombavam e todo mundo estava discutindo a polêmica exclusividade do game para o Nintendo Game Cube. De um lado, os fãs que investiram no fogãozinho roxo; do outro, a galera do PlayStation 2. Estava instaurada a ~treta~ mais quente da era “-ista”.

Engraçado (ou não) dessa época eram as intermináveis discussões sobre como RE4 era esnobado por alguns “Sonystas” e endeusado por “Nintendistas”. A real é que quem não tinha Game Cube estava desesperado para poder jogar – e não podia dar o braço a torcer. Quem tinha o fogãozinho roxo era só ~zuera~.

A parte que muita gente não enxergava na época é que existia um contrato envolvendo a Capcom, Shinji Mikami e a Nintendo, fechando a exclusividade de cinco títulos para o Game Cube. O tal acordo era chamado de “Capcom Five”, e tinha como principal objetivo dar um empurrãozinho nas vendas do console da Nintendo, meio ofuscado pelo PlayStation 2 e sem muito apoio de outros desenvolvedores na época. Apesar de Resident Evil ter nascido no primeiro console da Sony, a Capcom e a Nintendo sempre foram muito próximas, desde as épocas dos Nintendinho e Super Nintendo.

E aí o que acontece, que faz com que a carinha de Shinji Mikami e dos coleguinhas com Game Cube fosse parar no chão? Alguns meses antes de Resident Evil 4 finalmente chegar ao mercado, a tal exclusividade vai por água a baixo.

“Para satisfazer as demandas dos fãs de Resident Evil e o desejo da Capcom de levar a série a novos jogadores do mundo inteiro, a decisão foi tomada, para trazer o título ao PS2”.

Pior ainda, cogitava-se até uma versão para o Xbox. No fim das contas, quatro dos cinco títulos do “Capcom Five” deixaram de ser exclusivos. A empresa acabou não enxergando o Game Cube como um console lucrativo, e foi quebrando o acordo aos poucos, portando vários jogos, um por um. Ainda assim, o único título do acordo que realmente trouxe lucros significativos para a Capcom foi Resident Evil 4, um sucesso absoluto de vendas.

Um port de RE4 para o PlayStation 2 era constante alvo de perguntas e Mikami sempre reforçou que nesse caso, o acordo não seria quebrado. O episódio até gerou a famosa frase de que ele cometeria Sepukku, o “suicídio samurai”, caso o jogo deixasse de ser exclusivo do Game Cube. A fala do Mikami acabou sendo mal traduzida e veiculada como se ele tivesse dito que “cortaria a própria cabeça”. O fato virou meme através das mãos do próprio criador de Resident Evil anos depois, before memes were cool.

Por fim, a quebra do acordo Capcom-Mikami-Nintendo foi um dos motivos da saída de Mikami, que alegou uma série de discordâncias criativas e empresariais entre ele e a Capcom. Uma outra leva de desenvolvedores deixou a empresa pelos mesmos motivos.

Divisor de Águas

RE4 é um marco na franquia. O projeto era mega arriscado: trazer um Resident Evil diferente e inovador para um console que não era o mais popular no mercado. As chances de o título se tornar um fracasso daqueles era gigante, mas as enormes dificuldades da equipe de produção, os vários cancelamentos e abandono de conceitos resultaram em um dos maiores sucessos da história dos games.

Ângulos de câmera fixos, movimentação limitada… tudo foi por água abaixo. Entrou no lugar uma câmera que acompanhava o personagem pelo cenário e que permitiu uma jogabilidade mais dinâmica. A mira podia ser controlada pelo jogador e visualizada pelo traçado de um laser. Agora, era possível atirar em diferentes pontos dos inimigos e causar reações diferentes neles. Chegaram também os golpes físicos, aplicados em inimigos “atordoados” por tiros em pontos específicos.

Os decrépitos zumbis deram lugar aos Ganados, fanáticos infectados pelo parasita Las Plagas, que substituiu os clássicos vírus. Ao contrário dos poucos e pingados zumbis e outras criaturas, que apareciam sozinhos ou em pequenos grupos, surgiam agora grandes hordas de inimigos, que podiam atacar usando uma série de objetos como armas. O sufoco que nos fazia tentar usar cada bala sabiamente e desviar de inimigos para economizar munição não era mais sentido. Agora, a tensão vinha do sentimento sufocante de ser engolido por uma multidão insana.

O policial novato que vivenciou os horrores de Raccoon City ao lado de Claire e Sherry se tornou um experiente agente do governo dos EUA, claramente inspirado em personagens de filmes e séries de ação. As cenas hollywoodianas apareceram aos montes, com movimentos acrobáticos, explosões e peripécias impossíveis, dignas dos ~heróis americanos~. Boa parte das novas habilidades de Leon surgiam nos quick time events, ações realizadas ao toque de uma combinação de botões que aparecia rapidamente na tela.

As mudanças drásticas também apareciam na história. Após a explosão de Raccoon City, outros locais precisariam ser explorados. A Umbrella foi enterrada e novos vilões surgiram. O legado da empresa se traduziu na sombra de Albert Wesker, que ganhou espaço para se tornar cada vez maior. Resident Evil alcançou uma escala global. Abandonar Raccoon City fez com que qualquer cenário pudesse ser palco para as histórias da franquia.

Odiado por uns e idolatrado por outros, Resident Evil 4 é apontado como o principal “culpado” de fazer a série se afastar do terror e caminhar em direção à ação. Independente do seu sucesso, RE4 é lembrado como o prelúdio de uma crise de identidade vivenciada atualmente na franquia. Se esse realmente é o caso, talvez essa fosse a vontade do criador, Shinji Mikami. Nesse projeto ousado acabou se criando um conceito diferenciado para a franquia.

Fato que não pode ser deixado de lado é a grande popularidade de Resident Evil 4. Quantas pessoas não conheceram a série através do título? Quantos jogadores não se tornaram fãs de Resident Evil após o contato com RE4?

Referência

RE4 não é só uma referência dentro da própria franquia, mas para o mundo dos games como um todo. Apesar de Resident Evil não ter nascido como um jogo de tiro em terceira pessoa, RE4 é o precursor de boa parte das mecânicas implementadas em vários jogos desse estilo.

A câmera que dá uma perspectiva “sobre o ombro” do personagem pode ser vista em incontáveis jogos de tiro, como Gears of War. Anos depois, Resident Evil 5 se inspiraria em GoW para criar seu sistema de cobertura.

A mira a laser, que garante precisão e danos diferenciados nos inimigos, são pontos marcantes em Dead Space. No game espacial, atirar em pontos específicos garante o desmembramento dos necromorphs, o que garante alguma economia de munição. Ainda, assim como em RE4, vários inimigos possuem pontos fracos, para onde os tiros devem ser direcionados.

O queridinho atual do survival horror, The Last of Us, também buscou inspirações em Resident Evil 4. Além de tamém usar o sistema de câmeras e de mira em terceira pessoa semelhantes ao de RE4, TLoU aposta na dinâmica de ter um parceiro que precisa ser protegido e não possui as mesmas habilidades do protagonista.

Preciso falar de The Evil Within? Produzido pelo mesmo criador de Resident Evil, possui elementos absurdamente semelhantes aos de RE4. “Coincidências” vão desde a personalidade do protagonista, até elementos da mecânica e comportamento dos inimigos. Não podia faltar “o cara da moto-serra”, né?

Para saber mais como Resident Evil 4 influenciou outros games, leia “As influências e a importância de RE4“.

Eterno?

Resident Evil 4 já tem uma década de existência, mas não foi esquecido. O sucesso do título é inegável, e desde a decisão de acabar levando o título para o PlayStation 2, comprometendo um acordo com a Nintendo e a relação com um dos seus maiores desenvolvedores, a Capcom já enxergava isso.

Resident Evil 4 é um jogo datado, mas ainda assim, continua se mantendo popular. Boa parte da manutenção dessa popularidade se deve à própria Capcom, que já lançou inúmeros ports, versões, remasterizações…

Por baixo, pelo menos nove plataformas diferentes já receberam o jogo, incluindo o Game Cube, PlayStation 2, Wii, PC, celulares, iPhone/iPad, Zeebo, Playstation 3 e Xbox 360.

Só para o PC, o jogo foi lançado duas vezes. A primeira versão chegou ao mercado em 2007, com gráficos muito a baixo do esperado comparado com as versões de console. Em 2014, Resident Evil 4 finalmente ganhou uma versão para PC a altura, o “Ultimate HD”, todo remasterizado em alta definição. O game é um dos poucos lançados para o Zeebo, “o console brasileiro”, fabricado pela TecToy.

Em 2005, Resident Evil 4 levou o prêmio de Jogo do Ano no Game Awards da Spike TV. Seis anos depois, mesmo com uma versão HD ~não muito HD assim~ RE4 foi premiado em 2011 como o melhor jogo digital lançado pela PlayStation Network. Com o invejável score de 96% no Metacritic, Resident Evil 4 é um dos games mais bem avaliados pelo público, sendo considerado o segundo melhor título de Game Cube e o terceiro melhor do PlayStation 2. Da crítica especializada, Resident Evil 4 só recebeu notas altas, a maioria entre 9,5-10. Em 2005, o game foi considerado o segundo melhor título do Game Cube, perdendo apenas para The Legend of Zelda: Ocarina of Time.

Polêmico, inovador, ousado, divisor de águas para RE e outros games, referência, premiado, relançado inúmeras vezes. Resident Evil 4 pode não ser o jogo preferido da maioria dos fãs da série Resident Evil, mas certamente é o mais popular da franquia. Ame ou odeie, Resident Evil 4 fez história e continua marcando presença mesmo depois de 10 anos de lançamento.