Se você ama survival horror e acompanha os lançamentos do gênero, provavelmente se deparou com algo sobre The Callisto Protocol. Anunciado durante o The Game Awards de 2020 e passado mais de dois anos, eis que finalmente o novo jogo do criador de Dead Space, Glen Schofield, é lançado.
“Callisto” acompanha a história de Jacob Lee (Josh Duhamel de Transformers) – que bem que podia ser brasileiro, porque olha… – um cargueiro espacial freelancer que após ter a sua nave destruída pela ativista Dani Nakamura (Karen Fukuhara de The Boys) acaba caindo em Calisto, a lua morta de Júpiter, na qual, abriga a estranha e fria prisão espacial “Black Iron”.
Ao longo de 8 capítulos, Jacob precisa ligar o “modo sobrevivência” para sair vivo dos horrores de Black Iron e de Calisto. The Callisto Protocol é o jogo que conseguiu unir o melhor do survival horror com as mais belas técnicas de stealth. Sem sombra de dúvidas, o jogo pode ser considerado um sucessor espiritual de Dead Space (já que são do mesmo produtor e ele mesmo não esconde de onde se inspirou), grande nome dentro do catálogo da EA, porém abandonado há algum tempo.
Mas será que o novo jogo faz jus ao legado construído por ele e a sua equipe? Bom, aqui, eu, João Alves , e o Just (Cláudio Corrêa ) analisamos a versão de Xbox Series S do jogo, gentilmente cedida pela Krafton, e pautamos as nossas impressões e considerações a respeito do jogo. Boa leitura.
Que orgulho do nosso primo
Como site especializado em Resident Evil, eu, Just, levamos muito em consideração o que conhecemos da franquia para poder analisar Callisto. Com base nisso, Resident Evil 4 é completamente homenageado em diversos quesitos, como controle, câmera e até as mortes que contêm muito gore. A movimentação do personagem é suave e você se acostuma facilmente a controlá-lo, porém, o que demora um pouco mais é o esquema de esquiva e troca de equipamentos.
Demorei pelo menos 3 capítulos até pegar o jeito de conciliar a esquiva ao meu estilo de ataque direto ao inimigos, mas depois que você acostuma é uma baita de uma ajuda quando o combate aperta e aparecem mais de 4 inimigos no mesmo cenário. Você consegue se livrar facilmente de todos com a técnica adquirida.
Eu, João, confesso que estava bastante ansioso para jogar “Callisto”, pois desde o seu anúncio, o meu radar gamer acompanhou as notícias, adiamentos e trailers do jogo. Porém, algo sempre pairou no ar, o incômodo de já ter visto aquilo, a semelhança e memória com as minhas experiências com Dead Space. Pensei que o sentimento seria deixado de lado ao jogá-lo, mas não. E tenho uma teoria.
A Síndrome do Criador
O termo síndrome é bastante utilizado na medicina e na psicologia para caracterizar sinais e sintomas que podem se manifestar em mais de uma pessoa, gerando um quadro de repetição. Então, propomos um paralelo entre o termo e a condição de “criador”, na qual alguém cria algo bastante impactante e inovador ao ponto de nunca mais conseguir se desvencilhar dela. E quem aí já não viu um diretor, um ator, um músico e outros, desempenhar outros projetos e todos parecerem o trabalho anterior que teve maior impacto e aceitação. Ponto. É isso, The Callisto Protocol sofre dessa síndrome.
E antes que você ache que isso só aconteceu agora, aponto aqui um caso de um personagem bastante importante para o universo de Resident Evil, estou falando de Shinji Mikami. O criador de RE e diretor de Resident Evil 4 lançou em 2014 o divertido, porém confuso, The Evil Within. Na mesma época, muitos canais e jogadores apontaram semelhanças com o quarto capítulo numerado da série e o chamaram de “uma cópia de Resident Evil 4”. Para nova empreitada continuar, Mikami teve que se afastar, deixou o cargo de diretor e assumiu a supervisão do projeto, para que The Evil Within ganhasse uma identidade própria. E convenhamos, melhorou e muito.
E retomo a minha teoria. Esse quadro de repetições se manifestou novamente no novo projeto de Glen Schofield, pois “Callisto” é uma repetição de tudo que já vimos em Dead Space. Claro, há diferenças, mas nenhuma que seja tão determinante. Entendido os níveis de comparação e associação, vamos as considerações.
Callisto é deslumbrante e não bebeu só da fonte do Dead Space!
Sim, todos os cenários de The Callisto Protocol são deslumbrantes. O jogo utiliza a Unreal Engine 4 como motor gráfico e ela impressiona. A sequência inicial é de uma qualidade surpreendente, tanto no quesito direção quanto no sentido gráfico. A ação que corre ali te deixa vidrado no que está por vir, e não é por menos, pois o que a desenvolvedora Striking Distance Studios faz muito bem é entregar verdadeiros espetáculos visuais durante o jogo todo.
Há alguns momentos que os polimentos de alguma textura ou efeito não agradam, como as chamas nos cenários e a água nas galerias de esgoto da prisão. Mas são pontos que não te tiram da imersão visual proposta. A prisão de “Black Iron”, apresentada durante os quatro primeiros capítulos, é dura, assustadora e claustrofóbica. Não sei quantas vezes senti um frio na espinha só por andar pelos corredores silenciosos daquele lugar. Apesar de bastante escura, a partir da terceira hora de gameplay, aqueles ambientes passarão a serem repetitivos demais. E aqui temos aquele problema: a repetição.
A primeira mudança significativa de cenário ocorre após o quarto episódio. O que para mim foi uma mudança muito bem vinda, já que, após 5h de jogatina, queria ver algo novo. A partir do quinto capítulo começamos a nos aventurar pela superfície de Calisto, território extremamente branco e aberto, bem diferente da cadeia de “Black Iron”. Porém essa incursão é rápida e breve. Após enfrentar hordas de inimigos, somos jogados novamente em… corredores escuros. Do quinto ao oitavo capítulo, pouca coisa mudará em relação ao design desses corredores. Se antes eram tomados por grades, agora são pedras, e que mais adiante serão tomados por mais grades, pedras e sujeira alienígena.
A pouca variedade de cenários compromete a experiência de gameplay, ao ponto de achar que está jogando o mesmo capítulo mais de uma vez. Mas reafirmo, está tudo muito bonito (sensorialmente, esplêndido), porém, após boas horas de jogatina, você vai querer algo novo. Passado a análise visual, vamos a gameplay e as mecânicas.
Tiro, porrada… e porrada!
The Callisto Protocol não possui mecânicas muito complexas. Na verdade elas são bem simples. Ao jogar com Jacob, será possível andar e atirar, bater com um machado e um bastão de choque, atirar com um arsenal de armas (impressas em uma impressora 3D, chamada de forja) e utilizar uma luva que permite aproximar e arremessar objetos e inimigos. Há uma árvore de habilidades que poderá ser melhorada a partir da evolução das armas, mas só.
Outra coisa muito útil e que você usa muito durante toda a campanha é o ‘stealth’, estilo muito conhecido em Metal Gear Solid e The Last of Us, pois há momentos em que é necessário deixar de lado o ataque corpo a corpo e investir mesmo em sair de fininho (ou matar na surdina).
O jogo vai disponibilizar 8 armas diferentes, mas basicamente os inimigos irão responder a todas da mesma forma. Terminei a minha gameplay (João) upando apenas a arma de combate corpo a corpo, o Bastão de Choque, e o Canhão de Mão, equivalente a pistola comum dos jogos. Durante o jogo. Pensei que em algum momento seria obrigado a ter que usar uma arma ou estratégia diferente, já que algum inimigo poderia ser mais resistente às armas comuns, mas não. Essa falta de diversidade não compromete o combate com o inimigo, mas fica aquela sensação de querer algo mais.
Além disso, o sistema de upgrade de equipamento lembra muito também Resident Evil (mais próximo ao Resident Evil Revelations 2), onde é necessário juntar ‘créditos’ adquiridos ao longo do jogo, nas caixas espalhadas pelas salas ou quando finaliza-se um inimigo (nunca se esqueça de pisar neles depois de finalizados). Contudo, assim como em todo survival horror, ele é um recurso extremamente escasso e é necessário pelo menos zerar o jogo mais de uma vez se quiser completar todas as atualizações e melhorias. Então é bom saber qual caminho você vai querer percorrer na sua primeira jornada, mais vida ou um equipamento melhor?
Outro ponto que deveria ser modificado – este me irritou mesmo (João) – são os atalhos para as escolhas das armas. Diferente do que já foi estabelecido em jogos – de que cada direcional no controle é um atalho rápido para as armas – aqui você precisa acionar o direcional da direita, apertar para cima ou para baixo a arma de longo alcance que quer escolher e apertar o botão de ação. Este processo dificulta as escolhas e faz com que o jogador perca um tempão.
E se você espera vilões e chefões grotescos e memoráveis, pode tirar o seu cavalinho da chuva. No final de cada “fase”, o máximo que encontrará serão hordas de inimigos. Frustrante? DEMAIS!
O saldo mais positivo é o combate corpo a corpo mesmo, é viciante utilizar o sistema de esquiva (demora a pegar, mas quando pega…) e defesa para derrotar os infectados e de quebra, desmembrar eles. Aliás, “Callisto” é bastante violento e gore, então se prepare para ver muitos desmembramentos.
Linear, até demais!
Como quase todo survival horror, The Callisto Protocol é linear em sua estrutura e possui rotas que mais servem como complementares do que alternativas. Isso porque as vezes você poderá ficar confuso entre duas portas opostas e pensar “Se eu for por aqui? Será que ficarei perdido?”. Uma dessas portas te levará ao momento seguinte da história e a outra ao conteúdo complementar da história, munição e vida.
Sem dar muitos detalhes da história, ela tem todos os elementos que a gente já viu em histórias de Resident Evil e terror biológico, o fio narrativo segue toda a cartilha de uma história genérica e resoluções que provavelmente irão te irritar como jogador. Cansei de pensar em quantas vezes o protagonista foi “sabotado” após chegar no seu objetivo. É uma ponte que quebra, é um elevador que cai, é uma estrutura que desmorona e etc, ao ponto do jogador prever que “vai acontecer alguma desgraça e eu vou cair em outro lugar…” e, passado o objetivo principal, “eureca!”. Acontece exatamente isso.
Inclusive, acho que nunca vi um jogo com tantas portas que precisassem de tantos fusíveis para funcionar. Só de cabeça contamos rapidamente umas 15 diferentes. E mais uma vez, na primeira hora é legal, mas já na terceira hora você estará revirando os olhos.
Após o quinto capítulo as coisas começam a ficar mais interessantes, então paciência. Até lá o jogador precisará se contentar com os depoimentos dos personagens secundários. Inclusive os files estão presentes e, se jogou Dead Space, vai saber da forma em que eles estão, em áudio. Igual ao seu antecessor, aqui você colhe gravações com questionamentos e confissões dos detentos e funcionários da prisão.
Mas aí, como o jogo roda?
Tecnicamente, não achamos tantos problemas e o jogo flui perfeitamente, sem gargalos ou quedas de frames.
Os loadings são praticamente inexistentes (aleluia SSD!) e embora a repetição das mortes possa incomodar um pouco já que, além de limitadas, você facilmente acaba sendo dilacerado e é impossível pular a animação de morte, o que torna o processo um pouco cansativo. Isso vale para qualquer animação do jogo, seja finalizando algum inimigo, trocando de arma, recarregando ou aplicando a injeção de saúde, pois como não é possível interrompê-la, Jacob fica vulnerável nestes momentos, o que pode, inclusive, ter dificuldade (e eu, Just, tive muita) de se adaptar ao jogo em si.
Os inimigos são outro fator que desanima um pouco (ainda mais se vierem em hordas): uma série de detentos infectados e alguns robôs. Embora não tenha muita variedade, eles entregam um visual grotesco e te obrigam a ficar atento a qualquer barulhinho no cenário.
O Protocolo funciona?
The Callisto Protocol é um jogo de muitos méritos. Apesar de não ter mencionado ainda, o sound design é ridículo de tão bom. A trilha sonora não é tão presente, mas quem dá ritmo a música do jogo são os diversos sons que permeiam aquele ambiente. Jogando de fone é possível sentir e escutar cada nível de ameaça que está presente nos corredores de “Black Iron” e Callisto.
Porém, nem só de questões técnicas sustentam um game como esse. Com uma história superficial que não se desenvolve no ritmo que deveria, com uma jogabilidade datada e combates repetitivos, “Callisto” é uma experiência média para quem gosta do gênero survival horror.
Mas ressalvo, tenho Dead Space como um dos jogos que mais me influenciaram como jogador e amante do gênero, portanto, vejo muitos padrões de repetição e simulação de algo que já foi feito. Para aqueles que nunca jogaram Dead Space, a experiência poderá ser completamente diferente. E é isso o que importa.
E voltando à “síndrome do criador”, talvez, este novo jogo seja para Glen Schofield o que foi The Evil Within para Mikami. Um jogo que ficou preso num quadro de ideias repetidas de seu criador, que não conseguiu nem homenagear e nem evoluir que já tinha sido feito, mas que numa segunda oportunidade aprendeu com os erros e levou a franquia para um outro patamar. Espero mesmo que o protocolo vingue e retorne em outro capítulo.
Este conteúdo contou com revisão de Natália Sampaio e Fred Hiro