Praticamente todo fã de Resident Evil já ouviu falar da beta mais famosa da franquia: a versão preliminar de RE2 que ficou conhecida como Resident Evil 1.5.
Durante muitos anos, essa versão beta descartada poucos meses antes de seu lançamento despertou a curiosidade dos fãs, e foi criado um certo folclore em torno dela, gerando uma série de rumores e até mesmo atos de charlatanismo em uma época em que a internet ainda não era tão difundida e o acesso à certos tipos de informação era um tanto restrito.
Mas, porque uma versão beta descartada gerou tanta mobilização da comunidade de fãs de Resident Evil? A verdade é que muitos fatores contribuíram para isso…
Produto de qualidade inferior
Depois do sucesso absurdo de Resident Evil 1, a Capcom logo começou a trabalhar em uma continuação do jogo. Originalmente programado para ser lançado em março de 1997, Resident Evil 2 chegaria ao PlayStation e também ao Sega Saturno e foi anunciado pela empresa no segundo semestre de 1996 com a divulgação de algumas imagens.
Entretanto, apenas um mês antes de seu lançamento, a Capcom simplesmente cancelou o jogo, que já estava em um estágio de desenvolvimento bastante avançado (algo entre 70-80% pronto). Mas, por que a empresa tomou essa decisão?
Shinji Mikami, o principal produtor e idealizador de Resident Evil, não estava satisfeito com diversos aspectos do protótipo de Resident Evil 2, que posteriormente ficou conhecido na comunidade como Resident Evil 1.5.
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Mikami acreditava que embora as ideias gerais para o jogo eram muito boas individualmente, em conjunto elas não funcionavam muito bem, principalmente o roteiro, o qual o produtor acreditava que não despertaria o interesse para um possível Resident Evil 3.
Além disso, ele estava insatisfeito com alguns aspectos técnicos daquele protótipo, especialmente a parte gráfica e o clima do jogo, que para ele em nada lembrava o primeiro jogo da série e não se caracterizava como um verdadeiro jogo de Survival Horror.
Com tantas insatisfações, Mikami convenceu os executivos da Capcom que a melhor decisão era cancelar o jogo e começar o projeto novamente, aproveitando alguns conceitos e elementos mas mudando drasticamente boa parte dos cenários e também a história, trocando um dos protagonistas.
Os personagens
Leon S. Kennedy já estava presente no protótipo cancelado, nos materiais oficiais, ele é descrito como um recém-contratado policial da RPD que reúne a força de um policial altamente treinado com as inseguranças de um novato, características que foram mantidas na versão final de RE2.
No entanto, em RE 1.5 Leon começaria sua saga no heliporto e não nas ruas da cidade. Seu primeiro objetivo no jogo seria chegar ao escritório do delegado da RPD, mas vamos deixar para falar dos outros personagens mais para frente, porque é hora de falar sobre a segunda protagonista do jogo, e aí sim temos uma grande mudança.
A segunda protagonista do jogo seria uma jovem chamada Elza Walker, uma jovem apaixonada por motocicletas. Seu objetivo ao ir até Raccoon City, era chegar à universidade para recrutar companheiros para sua equipe de corrida. Entretanto, ao chegar, ela se deparar em meio ao caos causado pelo t-Vírus e busca refúgio na delegacia, onde acaba conhecendo Leon e ambos concordam em cooperar para tentar escapar.
Apesar de ter algumas semelhanças com Claire Redfield, Elza não tinha qualquer ligação com Chris Redfield. Mikami decidiu tirá-la da versão final do jogo, justamente porque enxergava a necessidade de dar a um dos protagonistas uma ligação direta com os principais personagens do primeiro jogo da franquia.
Dessa forma, na versão final de RE2, Elza foi substituída por Claire, que vai à cidade em busca de seu irmão o que além de fazer uma ligação direta com RE1, também deixaria uma importante ponta solta para RE3, considerando-se que RECV, jogo onde Claire é presa enquanto busca por seu irmão na Europa, seria o verdadeiro RE3.
Cada um dos dois protagonistas, contaria com dois personagens de suporte cada. Leon teria Marvin e Linda. Marvin é o policial que vemos no início da versão final de RE2 e que passa a Claire algumas informações importantes sobre o que está ocorrendo ali. Marvin seria um dos principais personagens secundários do jogo auxiliando Leon no combate contra zumbis e oferecendo suporte ao policial novato, um papel bem mais determinante do que o que coube a ele na versão final de RE2.
A outra personagem de suporte de Leon seria Linda, que pode ser considerada uma versão protótipo de Ada Wong. Linda se passava por uma cientista da Umbrella, mas era na verdade uma agente dupla que estava ali para conseguir uma amostra do G-Vírus. Assim como Ada, Linda também tinha um importante papel na campanha de Leon, mas ao que tudo indica, não o faria passar tantas vezes pelo papel de trouxa como Ada Wong faz.
Elza também teria seus personagens de suporte, e eles seriam a já citada Sherry e também um homem corpulento e fascinado por armas chamado John, que na versão final do jogo acabou se transformando em Robert Kendo.
Outra importante diferença entre RE1.5 e RE2 é o delegado e chefe de polícia. Em RE2, Brian Irons é um homem corrupto, violento e sem escrúpulos, e um dos responsáveis indiretos pelo vazamento viral nos esgotos, uma vez que recebia altas propinas da Umbrella para encobertar as atividades da empresa, e tinha livre acesso ao laboratório central através da entrada secreta dos esgotos que ficava dentro de sua sala na RPD.
Em RE1.5, o delegado se chamaria DJ, e ao contrário de Irons era um homem de boa índole, mas seu destino seria semelhante ao de Irons, uma vez que no roteiro original ele seria encontrado por Leon em sua sala, mordido por um zumbi e em seus momentos derradeiros de vida.
RE 1.5 ainda contava com um outro policial da RPD, chamado Roy, que ofereceria suporte à Elza durante sua passagem pela RPD, ele teria papel semelhante ao de Marvin na campanha de Leon, mas acabou sendo descartado na versão final de RE2.
Os inimigos
Além de Sherry, os outros dois membros da família Birkin, William e Annette também estavam presentes em RE 1.5 e com papeis semelhantes aos vistos na versão final do jogo. entretanto, havia algumas diferenças principalmente em William, que teria apenas duas transformações ao longo do jogo, inclusive em uma delas ele gritaria o nome da filha enquanto vagava pelos esgotos. Além disso, William teria uma participação maior no jogo, e seria mostrado mais em sua forma humana, antes de se infectar com o G-Vírus.
O protótipo possuía inimigos bem diferentes da versão final de Resident Evil 2, a começar pelos zumbis, que apresentavam uma maior variedade e até mesmo corriam atrás do jogador. A presença deles também era maior, e era comum haver telas com mais de 10 zumbis. Havia também um híbrido de humano com aranha, que lembrava em muito as chimeras do primeiro jogo da série e estava presente nos laboratórios, já na metade final do jogo.
Aranhas também estariam mais presentes do que na versão final do jogo. Os zombie dogs também tinha uma variação, além dos clássicos dobermans, havia uma versão zumbificada de pastores alemães, encontrados exclusivamente na RPD. O grande destaque dos inimigos descartados com certeza é um gorila, enorme, forte e extremamente resistente. O crocodilo gigante presente em RE2, também estava no protótipo, mas em uma versão com tamanho bem menor.
As armas e os cenários
Diferente de Resident Evil 2, o arsenal da beta era bastante extenso, o que provavelmente deixava o jogo com mais ação do que a sua versão final – pra vocês terem ideia, os personagens utilizavam até granadas, algo que só veio aparecer na franquia em Resident Evil 4. Leon e Elza também poderiam usar coletes, que provavelmente diminuiria o dano sofrido pelos inimigos.”
Outra diferença significativa é em relação aos cenários, especialmente a RPD. em RE 1.5, ela se assemelhava mais a uma delegacia clássica, com arquitetura, divisões, biombos e mesas que se assemelham muito Às delegacias e repartições públicas mostradas em filmes e séries policias dos EUA naquela época.
A RPD de RE2 por outro lado apresenta uma arquitetura bastante rebuscada, com pé direito alto e diversas obras de arte espalhadas pelas suas salas e corredores, afinal de contas, ela era o antigo museu de Raccoon, que fora comprado pela prefeitura e teve sua reforma inteira paga pela Umbrella para abrigar o departamento de polícia da cidade.
O trabalho dos fãs
Independente das diferenças e das semelhanças, a decisão da Capcom e de Mikami de cancelar o jogo em um estágio de produção tão avançado foi um choque na época. Muitos fãs, clamaram durante anos para que a Capcom liberasse a build do jogo mesmo que incompleta para que pudéssemos matar a curiosidade. Com as negativas da Capcom, diversos grupos de fãs começaram a se mobilizar para fazer as suas próprias versões do jogo.
Com a crescente disponibilização de ferramentas para criação e modificação de jogos, os famosos mods, não demorou muito para que as primeiras versões de RE 1.5 surgissem na internet.
Mas foi entre 2012 e 2013 que surgiu uma versão que realmente chamou a atenção da comunidade. Um time liderado pelo fã chamado Bzork, divulgou um trailer do seu trabalho no final de 2012 e em fevereiro de 2013 liberou a primeira versão do jogo. Chria de bugs e com diversos problemas, eles lançaram uma nova versão atualizada e com diversos problemas corrigidos em setembro daquele mesmo ano.
Hoje, infelizmente é bastante difícil encontrar um link para download do RE1.5de Bzork que funcione, mas esta foi a versão que mais se aproximou do trabalho da própria Capcom, e também ajudou a frear diversos rumores que haviam dentro da comunidade de fãs de RE, dentre eles algumas pessoas que diziam ter em mãos uma cópia legítima do projeto abandonado pela Capcom, e que tentaram vendê-las por preços absurdos em sites como o E-bay e em fórums relacionados a Resident Evil, algo que se mostrou inverídico, já que o verdadeiro RE1.5 continua fechado à sete chaves nos arquivos da Capcom.
Apesar do imaginário dos fãs viajarem nas possibilidades de RE1.5, é importante reiterar que Shinji Mikami, a mente por trás da criação de Resident Evil, convenceu a Capcom a cancelar o jogo e iniciar um novo trabalho por considerá-lo um produto de baixa qualidade. O resultado disso, para a felicidade de muitos fãs, foi a produção do Resident Evil 2 que conhecemos, jogo que é considerado por muitos, inclusive por mim, o melhor jogo já lançado na franquia.