Silent Hill: The Short Message

Uma Mensagem Curta para os fãs de Silent Hill

ATENÇÃO: Este texto aborda temas como suicídio, bullying, abuso e depressão.

Após anos no ostracismo, em 2022 finalmente tivemos o anúncio de que Silent Hill estava voltando. Contando com anúncios de diversos jogos, uma experiência interativa, o remake do título mais famoso da série e até um novo filme. Os fãs estavam cautelosamente animados. afinal, os últimos lançamentos da franquia não haviam sido muito bem recebidos e o mais próximo que a comunidade teve de um grande jogo foi cancelado, com seu criador sendo humilhado pela empresa e até mesmo a demo do título sendo delistada da loja da Sony.

Em 2023 o primeiro título desse ‘revival’ foi lançado, Silent Hill: Ascension, que prometia ser uma experiência interativa inovadora e cooperativa, mas no fim foi considerado um dos piores lançamentos de toda a franquia. Em 2024, durante um State of Play da Sony, vimos um novo trailer de combate do remake de Silent Hill 2. Muitos fãs do título original fizeram diversos comentários reclamando dos gráficos, das mudanças que o trailer mostrou, da física do jogo e até mesmo do combate, dizendo que aquilo “não era Silent Hill” e até mesmo fazendo comparações mais diretas com Resident Evil.

 

De fato, o trailer justifica a preocupação do público por conta de diversos desses problemas, eu mesmo fui uma dessas pessoas e fiquei apreensivo ao ver o novo trailer, mas o ponto é que parece que o público estava pronto para odiar o jogo mesmo antes dele ser lançado. O novo modelo de rosto do protagonista foi muito criticado por parecer mais velho, e agora ao tentarem deixar ele mais novo receberam as mesmas reclamações por ele parecer mais novo. Também reclamaram do jogo parecer focado no combate, “perdendo a essência do original”, sendo que o combate era uma parte crucial da jogabilidade do original.

Certamente há motivos para ficarem cautelosos, afinal, os últimos lançamentos da Bloober (empresa responsável pelo remake de Silent Hill 2) não foram muito animadores, então faz sentido os fãs ficarem receosos por eles estarem comandando o remake de um dos maiores títulos do Survival Horror. Mas muitas dessas críticas não se dão somente ao que foi apresentado, mas sim ao que o público quer que a franquia seja, o que nunca vai acontecer porque o Silent Hill 2 do PS2 não é o mesmo Silent Hill 2 que os vídeo ensaístas falam sobre no YouTube.

No mesmo evento, a Konami anunciou de surpresa (ao menos dentro do possível, considerando os vazamentos) um novo título original, lançado de graça e naquele mesmo dia, mas que para surpresa de muitos também está sendo um título muito divisivo entre o público e crítica.

Para a Eu adulta

Silent Hill: The Short Message é um pequeno jogo gratuito desenvolvido por membros chave que praticamente criaram a franquia, com o objetivo de apresentar Silent Hill para um público novo e lidando com temas modernos e atuais. Na trama, a jovem estudante Anita vai até um antigo complexo de apartamentos abandonado após receber uma mensagem de sua amiga desaparecida, Maya, dizendo para encontrá-la naquele lugar que é um ponto famoso entre adolescentes que querem cometer suicídio. Os fãs da saga já podem imaginar o que acontece a seguir, com Anita sendo assombrada pelos fantasmas de seu passado enquanto tenta entender porque aquele lugar está brincando com sua mente através de uma manifestação física da sua psiquê. Apesar disso, o jogo foi muito divisivo tanto entre os fãs de Silent Hill, jogadores novos e até mesmo a crítica especializada.

Silent Hill: The Short Message, easter eggs
O jogo está repleto de easter eggs para os fãs da franquia

Diversos dos apontamentos negativos foram feitos em relação a forma como a história é abordada, com a trama não sendo nada sutil e muito expositiva, diálogos e narrativa ambiental sendo muito clichês, dublagem de qualidade duvidosa, problemas de performance e críticas sobre a jogabilidade, com muitos chegando a dizer que este título não era digno de ser chamado de Silent Hill.

Claro que todos os pontos não podem simplesmente ser ignorados, afinal, mesmo sendo um jogo gratuito esperamos um padrão de qualidade, mas diversos deles estão tomando uma proporção completamente desproporcional e evidenciando um problema que afeta diversos fandoms modernos: eles querem um jogo com base no que eles imaginam que a franquia é, e não o que ela é de fato. Mas o que é Silent Hill então? Basicamente, o que os criadores quiserem que ela seja.

Para as pessoas que eu amo

Em Matrix Resurrections, alguns personagens discutem o que é a franquia. Um diz que são tiroteios e slow-motion, outro diz que são questionamentos filosóficos, mas a diretora e co-criadora dos filmes nos responde que “a franquia é o que ela quer que seja”. The Short Message não tem como fugir das comparações com P.T., mas também deve muito a diversos títulos de terror modernos como Layers of Fear e outros walking simulators, como são chamados.

Silent Hill: The Short Message
Alguém estava com muito tempo livre

Mesmo com o foco do jogo não sendo na jogabilidade, o título usa os cenários (um prédio abandonado na Alemanha atual) para construir um espaço assustador e claustrofóbico que remete muito aos primeiros jogos da franquia, contando com easter eggs de diversos títulos que vão desde o primeiro jogo da série até mesmo o finado P.T. do lamentavelmente cancelado Silent Hills.

Conforme progredimos durante os capítulos, vamos descobrindo mais e mais sobre o que se passou tanto na vida de Anita quanto de sua amiga Maya, tudo por meio de documentos que encontramos pelo cenário, mensagens de texto que trocamos com Amelie (uma amiga das duas) e também por cenas de flashback em live-action.

Silent Hill: The Short Message
Calma aí, parceira…

O jogo não se afasta de temas mais pesados, abordando eles de forma extremamente direta. A protagonista acaba repetindo a todo momento o que está acontecendo (o que pode tirar um pouco da imersão), e também dizendo que ela não serve para nada e que todos estariam melhor sem ela. Há um momento de automutilação que pode ser um gatilho mais pesado para quem está passando por situações parecidas, tanto que a cada capítulo o jogo nos alerta com uma mensagem para procurar ajuda caso o jogador esteja passando por problemas e idealizações suicidas.

Silent Hill: The Short Message, aviso
This game contains scenes of explicit violence and gore

Há também diversas questões de abuso, trauma geracional e desilusões vistos de uma ótica feminina, e o jogo também lida principalmente com bullying na era digital, e como isso reflete nas idealizações de Anita (que lamenta não ter tantas curtidas quanto sua amiga, já que isso mediria o seu valor). Pode parecer algo clichê ou mesmo genérico, principalmente a forma como abordam esses temas e, mesmo concordando que poderia haver uma maior finesse na forma que os textos são trazidos, em momento algum a equipe diminui a seriedade com que estão tratando a apresentação da história.

Silent Hill: The Short Message

A protagonista tem uma das melhores representações de depressão que eu vi em um título recente, embora possa não ser tão sutil ou desenvolvido por conta de diversos fatores (como a curta duração do jogo). A depressão primeiro esgota quem está doente, e depois esgota as pessoas ao seu redor, o que de certa forma reforça os temas do jogo ao afastar o jogador da protagonista.

Embora Short Message não seja sutil sobre esses pontos em sua narrativa, acredito que isso funcione a favor do jogo, já que do contrário poderiam criticar como uma glorificação do suicídio, que está presente de diversas formas dentro do jogo. O próprio design da criatura que persegue a protagonista durante algumas sequências está diretamente associado com as idealizações suicidas das personagens daquele pequeno universo, representado pela efemeridade da flor de cerejeira.

Silent Hill: The Short Message
Eu só quero e espero, ter pra sempre, você junto a mim

O bullying, as idealizações suicidas, a falta de amor próprio da protagonista, inveja, raiva, tudo soma para o desenvolvimento daquele pequeno mundo que é mais Silent Hill do que os jogos dos últimos 12 anos da franquia. E mesmo com a narrativa sendo mais direta, há muitas questões acerca das personagens e do que houve na história que ficam a cargo do jogador, pois não são completamente explicadas.

Nós temos pistas do que aconteceu, mas em momento algum temos o quadro completo, o que deixa espaço para a interpretação do jogador. E mesmo lidando com temas sérios e pesados com uma atmosfera envolta em névoa, tanto literal quanto figurativa, o jogo consegue trazer uma mensagem positiva e otimista que reflete também o que esperamos da franquia.

Silent Hill: The Short Message
Havia um buraco aqui, ele se foi agora…

Temos em The Short Message uma mudança de cenário, ao trocar a pequena cidade americana por um prédio na Alemanha moderna e você pode se perguntar como justificariam essa mudança. É um questionamento que surge desde o lançamento de Silent Hill 4: The Room, ou mesmo com o anúncio de Silent Hill F que se passará no Japão.

No jogo há diversos documentos que mostram sobre como aquilo pode estar acontecendo, remetendo diretamente aos eventos do primeiro Silent Hill. Não temos todas as respostas ainda, mas é uma excelente maneira de expandir o universo da franquia sem abandonar os princípios que a tornaram tão querida pelos fãs e que deveria estar gerando discussões muito mais interessantes do que críticas tão superficiais. Afinal, o jogo realmente tem diversos problemas. O roteiro poderia ser melhor escrito e um pouco mais natural, também poderia ter focado mais na jogabilidade, pois mesmo as sequências de perseguição acabam sendo mais cansativas do que assustadoras em certo ponto. A performance do jogo oscila de uma forma exagerada e os gráficos dos personagens poderiam ser tão bons quanto os cenários.

O Fenômeno
O verdadeiro Silent Hill são os amigos que fizemos no caminho

Mas apesar de todos os problemas, The Short Message é um título fantástico para quem nunca teve contato com a franquia, ou mesmo para aqueles que ansiavam por um jogo novo da equipe responsável pelos títulos originais. Mas se mesmo um pequeno jogo que é praticamente um teaser do que está por vir, desenvolvido por uma equipe que conta com Masahiro Ito, Akira Yamaoka e até mesmo com parte do time de desenvolvimento de P.T. está tendo essa recepção, acredito que o futuro da franquia seja tão culpa da Konami quanto é por parte do público que está preparado para refletir a cultura que é até mesmo criticada dentro do próprio jogo.

Uma Mensagem Curta

The Short Message

Silent Hill: The Short Message é claramente um título com orçamento moderado e feito com o intuito de reintroduzir a franquia, uma mensagem que diz que não estamos lá ainda, mas que estamos chegando. Apesar dos diversos problemas que o jogo apresenta, este sem dúvidas é um dos títulos com uma das melhores atmosferas de toda a franquia, com uma trilha sonora, sound design e direção de arte extraordinárias, mostrando não apenas o potencial para os futuros jogos da série, mas que Silent Hill está muito além daquela cidadezinha do médio-atlântico americano.