A cinematografia de Resident Evil: Death Island e a linguagem do cinema

Resident Evil: Death Island (Resident Evil: Ilha da Morte), o mais recente filme em computação gráfica da franquia, estreou há pouco menos de dois meses no Brasil, depois um lançamento nacional que não seguiu datas internacionais – o que é uma vergonha – e só via On Demand (aluguel ou compra digital).

Neste meio tempo, diversos fãs assistiram ao filme – muitos tiveram que recorrer a meios alternativos – e apontaram referências e easter eggs da série no longa em redes sociais, como o Rifle de Plasma (Railgun) de Resident Evil 3 (2020), o aeroporto de Harvardville de Resident Evil – Degeneração e a praia de Resident Evil Revelations. Sem falar das roupas usadas por Chris Redfield em Resident Evil 6, Claire Redfield em Resident Evil Revelations 2 e Jill Valentine do remake de Resident Evil 3: Nemesis (1999).

Esses são alguns elementos que os fãs já reconhecem de primeira, mas posso afirmar que existem outras referências e inspirações que fazem de Resident Evil: Death Island um exercício de expressão da sétima arte.

No cinema usamos a palavra cinematografia para denominar os processos criativos que levam a construir narrativamente uma história, uma cena e um quadro. Dentro do espectro de produção, este seria o “Diretor de Fotografia”. Mas, neste caso, abro ainda mais o conceito para falar de inspiração, referências e licenças, todas pautadas em obras da sétima arte.

Portanto, neste artigo, listo e indico obras que podem ter influenciado imageticamente e cinematograficamente o mais novo filme da franquia. Reforço que este é um olhar pessoal para o longa, na qual, convido o leitor a ter essa interpretação e leitura. Mas nada é restrito e novas interpretações podem surgir. Por isso, já peço que deixe nos comentários o que achou.

Reforço que este artigo possui spoilers, então assista o filme e voltei aqui depois. Preparado? Pegue a pipoca e vamos lá!

O MAL ESPREITA NAS SOMBRAS

Abro a nossa lista com um dos filmes que não só marcou para sempre a história do cinema, mas também definiu o que seria o gênero de terror e suspense. Há 101 anos, o mundo conhecia a história de Drácula, de Bram Stoker. Contudo, sem autorização por parte dos herdeiros do escritor, o roteiro alterou os nomes e lugares da história. Com um trabalho espetacular que combina roteiro, trilha sonora, ângulos e sombras, Nosferatu (1922) do diretor expressionista alemão, F.W. Murnau, impactou e chocou a plateia com o seu jogo de luz e sombra, técnica que seria utilizada até hoje para representar um mundo mais subjetivo e ameaçador.

Em Resident Evil: Death Island os criadores fazem uso do mesmo jogo e ângulo de câmera para representar o mal subjetivo, porém iminente. A cena ocorreu durante a fuga do Dr. Antonio Taylor de Alcatraz, na qual o personagem encontra a capataz e impiedosa Maria. Compare os frames das cenas.

RESIDENT EVIL: DEATH ISLAND (2023)
NOSFERATU (1922)

Seguindo a mesma linha de pensamento, o nosso segundo filme aterrorizou mesmo toda uma geração e ainda influenciou diretamente todo um subgênero do terror, o de filmes de “exorcismo e possessão”, estou falando de “O Exorcista” de 1973 de William Friedkin. Em “O Exorcista”, além da possessão, temos a casa como um cenário inanimado, que por trás de cada objeto, há um mal terrível, da qual, podemos esperar de tudo a qualquer momento. E em comparação ao longa de CGI, não temos um quadro a quadro como a referência de Nosferatu, mas a mesma tensão é usada durante a investigação de Jill Valentine a uma das casas dos turistas infectados. Entrar num quarto escuro nunca foi tão difícil!

RESIDENT EVIL: DEATH ISLAND (2023)
O EXORCISTA (1973)

Mudando um pouco de perspectiva, mas sem sair do tema, temos talvez a referência mais óbvia, estou falando de Tubarão de 1975. Na década de 70, o premiado e versátil diretor, Steven Spielberg, presenteou o mundo com este longa que também moldaria o subgênero de animais assassinos. Provavelmente, você e os seus pais têm medo de mar aberto por conta deste filme – nós temos.

Pois bem, além de ter sido um sucesso estrondoso, o longa virou um marco para a cultura pop, sendo referenciado até hoje com os seus jogos de câmeras e trilha sonora. Em Resident Evil: Death Island, a nossa querida Rebecca Chambers sente que nem mesmo o barco vai protegê-la de tal ameaça, assim como os personagens de Tubarão!

RESIDENT EVIL: DEATH ISLAND (2023)
TUBARÃO (1975)

E falando de animais, por que não falar de criaturas extraterrestres mortais? O longa “Alien, o Oitavo Passageiro”, de 1979, transportou o espectador para a espaçonave Nostromo e o fez quase morrer de tensão ao colocar o perigo em corredores estreitos e escuros.

Com uma atmosfera extremamente claustrofóbica, o filme de Ridley Scott é uma das principais referências para a franquia do universo geek. Em Death Island não é diferente. Durante a investigação de Leon S. Kennedy e Jill, um jogo de câmeras sugere que os nossos protagonistas estão sendo observados nas passagens de ventilação e corredores de cargas ilícitas, assim como o filme “Alien”. Veja as próximas imagens.

MUITA AÇÃO SOBRE DUAS RODAS

A ação é um elemento que está presente em Resident Evil: Death Island e que hoje faz parte da identidade da série, principalmente no que se diz a respeito do agente do governo americano, Leon S. Kennedy. É só o agente aparecer que logo seremos apresentados a uma grande cena de ação, e se for de moto então, teremos a certeza que irá capotar – eu ri com respeito. Mas, assim como em Resident Evil Vendetta (Resident Evil: A Vingança), temos Leon em uma perseguição eletrizante com a sua moto e que possui muitos elementos de outros filmes.

Em um combo, já digo que dois filmes foram essenciais para a construção do fator “ação sobre duas rodas”. São eles: Tron, de 1982, e Akira, animação espetacular, de 1988. Ambas as obras exploraram a ação desenfreada com motos, cada um à sua maneira, e contribuíram para as cenas que vemos hoje. Temos a exploração da sensação de velocidade como artifício para ação, como por exemplo, feixes de luzes, fundos borrados, movimentos coreografados e a utilização do som como catalisador do impacto.

Ao ponto que, Tron e Akira influenciaram diversos filmes posteriormente, inclusive a sequência Tron: O Legado (2010). Independente da obra, ambas as cenas possuem a beleza de se criar “ação sob duas rodas”. Para a cena de moto com o Leon, peço atenção para a sequência de acontecimentos entre ela e Tron: O Legado, a posição de Maria e Missão Impossível 2, e o corredor rodoviário e Akira.

RESIDENT EVIL: DEATH ISLAND (2023)
TRON: O LEGADO (2010)
RESIDENT EVIL: DEATH ISLAND (2023)
MISSÃO IMPOSSÍVEL 2 (2000)
RESIDENT EVIL: DEATH ISLAND (2023)
AKIRA (1988)

JÁ VI ISSO ANTES!

Resident Evil: Death Island flerta com outros filmes de thriller e mistério, mas talvez o mais óbvio, e também o mais conhecido na era digital, seja o longa Ilha do Medo, de 2010, do diretor Martin Scorsese. A referência está ligada à ilha em si, lugar que abriga uma prisão manicomial e diversos segredos. A chegada de Claire e sua turma em Alcatraz lembra bastante o filme estrelado por Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo. Ou vai falar que não lembrou?

RESIDENT EVIL: DEATH ISLAND (2023)
ILHA DO MEDO (2010)

E por último – e talvez a menos óbvia – o filme “Minority Report – a Nova Lei” de 2002, do diretor Steven Spielberg. O longa aborda um sistema que permite que crimes sejam previstos com precisão, o que faz a taxa de assassinatos cair para zero na América do Norte. O problema começa quando um dos principais agentes do combate ao crime descobre que foi previsto um assassinato que ele mesmo irá cometer, colocando em dúvida sua reputação e a confiabilidade do sistema.

O visual “futurista” que possui uma ou diversas telas suspensas, pode ser algo bem comum em produções recentes, mas no início deste milênio, o cenário era bastante diferente. Ainda no auge das telas em tubo, o filme de Spielberg utilizou uma estética clean que iria influenciar toda uma geração de filmes e produtos, ao ponto que é impossível imaginar um presente/ futuro sem elas, as telas flutuantes.

O covil do vilão Dylan Blake está cheio delas. Mas algo que também chama a atenção é o argumento narrativo de Minority Report e a motivação de Dylan, já que ambos discutem a ideia de poder e a noção de justiça. Questões como, “quem realmente tem o poder sobre a justiça? Deveríamos seguir uma espécie de cadeia alimentar para conseguir a paz no mundo? Cade um indivíduo decidir pela vida e a morte do outro?”, são algumas perguntas que ambos os filmes fazem – claro, cada um à sua maneira e na sua profundidade.

RESIDENT EVIL: DEATH ISLAND (2023)
“MINORITY REPORT – A NOVA LEI” (2002)

Como eu disse no início do texto, esta é uma lista e uma visão pessoal em relação a cinematografia do filme Resident Evil: Death Island. Trouxe neste artigo referências que fazem parte da história do cinema e da minha formação pessoal, portanto, a experiência de cada um é individual e personalizada. Mas reforço, vejam Death Island e os filmes indicados acima – todos valem o seu tempo, a diversão e a pipoca.

Aproveito para indicar também as análises feitas para o filme. A nossa autora, Dry Portes, escreveu “Death Island é uma redenção e tanto”, e o nosso digital manager, Marcelo Rocha, afirmou “Sem dúvida o filme faz o que promete, é uma grande reunião entre os maiores nomes da franquia Resident Evil, com cenas de ação, suspense e bastante tensão”.

E você, conseguiu identificar essas referências e linguagens? Reconheceu alguma outra? Deixe nos comentários!