Muito se fala sobre as famosas adaptações cinematográficas, dos livros que foram levados às grandes telas ou se tornaram peças de teatro ou, até mesmo, que se tornaram videogames. A verdade é que adaptações são necessárias para dar um ar novo e fresco a uma franquia, além de atrair novos espectadores. Claro que nem toda adaptação é bem recebida por seu público original, cujos alguns de seus fãs são tão fervorosos que reparam em tudo, desde o fio de cabelo desgrenhado do personagem até na mudança de sua personalidade.
Entretanto, claramente nem tudo que está em uma mídia é capaz de ser levado para outra sem que algo se perca (ou se transforme) em seu caminho. O mundo dos jogos está repleto de suas adaptações. Assim como Tomb Raider e Mortal Kombat nos cinemas, a saga Assassin’s Creed na literatura e o The Last Of Us, que já tem série de TV, Resident Evil não fica de fora dessa lista com adaptações. Dentre as mais diversas recebidas e até novas histórias, há o teatro com Biohazard The Stage, histórias em quadrinhos com Collection One (Wildstorm), mangá com Marhawa Desire e a saga de filmes de Paul W. S. Anderson.
Sobre os filmes, nós sabemos que a versão das telonas não é a mais fiel delas, mas ninguém pode negar que o seu sucesso nos anos 2000 trouxe novos fãs à franquia. No caso de Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City e Resident Evil: A Série, embora longe de agradar uma boa parcela dos fãs, além de trazer novamente a franquia para as telonas, reacenderam o debate sobre o que se deve ter numa adaptação de uma obra. Ademais, não posso esquecer as sequências indiretas em animação (computação gráfica), mas estamos falando sobre adaptações não é mesmo? Vou falar de uma adaptação que funcionou: as novelizações de Stephani Danelle Perry (S.D. Perry).
Ela, sem dúvida, deixou sua marca na franquia Resident Evil, mas já adaptou histórias como Alien: The Female War (1993), Labyrinth (1996), Berserker (1998), Criminal Enterprise (2008), Star Trek (Star Trek: Deep Space Nine) e, a mais recente, Tomb Raider (Shadow of the Tomb Raider – Path of the Apocalypse).
Dona de 7 volumes com o nome Resident Evil, S.D. Perry conseguiu o que os fãs da franquia mais desejavam: manter a o máximo de fidelidade à história original, combinar realismo e o ar de survival horror, apresentando novos elementos, novos personagens, ambientes, novas BOWs e, o que eu considero de melhor, dando carisma a todos os personagens sem precisar mudar uma vírgula na história do jogo. Deixe-me apresentar ao mundo de Resident Evil por Stephani Danelle Perry.
Tudo tem seu pontapé inicial. Em Resident Evil 1: A Conspiração Umbrella (Resident Evil: The Umbrella Conspiracy, em inglês), livro lançado originalmente em outubro de 1998, a autora aproveita o embalo da fama de Resident Evil (1996). Aqui, existem algumas diferenças que precisam ser destacadas, por ser uma adaptação lançada anos antes do remake Resident Evil (2002). A história de Lisa Trevor, por exemplo, não está presente, mesmo essa sendo canônica (segundo a Capcom). No entanto, o livro faz alusão à versão original da revista de George Trevor, True Story Behind Biohazard, assim como há um conto – Biohazard: The Beginning – que fala do desaparecimento de um amigo de Chris Redfield, Billy Rabbitson.
Agora, as minhas partes favoritas do livro. Se você (assim como eu) assistiu Bem-Vindo a Raccoon City, talvez tenha aqui um gostinho do que S.D. Perry soube acrescentar. Em determinada parte do longa, Albert Wesker recebe um dispositivo que está guardado no seu armário, no qual possui todas as informações da Mansão Spencer. Em A Conspiração Umbrella, Jill Valentine está tendo um dia terrível e tem que ir recolher os equipamentos para a missão de busca nas montanhas Arklay. Na sala dos equipamentos, ela encontra Trent (personagem inédito) que entrega um dispositivo idêntico ao do filme com mapas, solução de puzzles e documentos sobre a Umbrella.
Quais as intenções de Trent para com os S.T.A.R.S.? Ninguém sabe. Além de ser um acréscimo, sem sombra de dúvidas, maravilhoso à narrativa, cria um tom de suspense ao romance sem mexer em nada na história do game de 1996. Um pano de fundo é acrescentado aos demais personagens, assim como Jill ganha um passado que explica sua experiência (e excelência) em arrombar portas, Wesker ganha um ar vigarista digno de um vilão dos anos 90.
Além de tudo já mencionado, vem agora o acréscimo que nos entrega um vislumbre do que o nosso vilão icônico faz enquanto espera todos os seus capachos resolverem os puzzles. Sim meus amigos, os puzzles estão aqui, mas nem todos são resolvidos do jeito que esperamos, mas estão ali. Uma outra adição interessante é que os personagens (Jill, Chris, Barry Burton e Rebecca Chambers), apesar de se encontrarem, não fazem o mesmo caminho (algo bem semelhante ao Resident Evil 2 de 1998, com cenário A e B). Stephani resolveu o maior problema da franquia que nem a Capcom fez: Rebecca, a novata da equipe BRAVO, não é uma donzela em perigo ou só um soldado desarmado em uma zona de perigo. Aqui, ela usa seu conhecimento a seu favor e ajuda na resolução das coisas fazendo a história caminhar. A Conspiração Umbrella começa onde precisa para dar sentido à história e termina no exato momento que o jogo acaba.
O segundo volume, intitulado Resident Evil 2: O Incidente de Caliban Cove (Resident Evil: Caliban Cove), narra uma história completamente inédita. Além de trazer nossos protagonistas de volta, Perry escolhe Rebecca para narrar essa aventura. O livro apresenta também novas criaturas, nomeadas “Leviathans”, e um novo tipo de vírus que mantém a capacidade intelectual dos infectados. No entanto, remove o livre-arbítrio, tornando-os facilmente controláveis (JOY, é você por aqui?). Nesse volume, vemos o real poder que a Umbrella exerce sobre o país inteiro, tornando os sobreviventes de Raccoon City e seus novos companheiros como foras da lei. Enquanto buscam sobreviver a mais um vazamento “controlado” da Umbrella, descobrimos mais, porém, um pouco de Trent, o misterioso personagem de S.D. Perry que guia nossos heróis.
Já em Resident Evil 3: A Cidade dos Mortos (Resident Evil: City of the Dead), como o próprio nome já diz, estamos em Raccoon acompanhando Claire Redfield e Leon S. Kennedy por sua jornada já conhecida pelas salas do misterioso museu/Delegacia de Polícia de Raccoon. Perry narra a jornada de Leon (Cenário A) e Claire (Cenário B) do famigerado Resident Evil 2. Aqui, Ada Wong, Sherry Birkin e Annete Birkin têm bastante destaque tendo parte das suas histórias contadas dos seus pontos de vista.
Enquanto Leon e Claire lutam pela sobrevivência numa cidade apocalíptica, descobrimos mais sobre a Umbrella, sobre os negócios do chefe de polícia Brian Irons e seus acordos misteriosos com William Birkin. Apesar da escolha peculiar dos cenários, Perry narra muito bem os acontecimentos, encaixando novamente resolução dos puzzles com realidade, a jornada entre esgotos, laboratórios, salas escondidas e B.O.W.s com a completa escassez de armamento e munição que o jogo tem. Incluindo, ainda, o final no trem com Birkin. Aqui o desfecho interessante está nos momentos após o fim onde encontramos novamente Rebecca que parece ser o amuleto da sorte de Stephani pra encaixar tudo.
Resident Evil 4: Submundo, o quarto livro da série, é mais um dos inéditos da autora e uma surpresa agradável para os amantes secretos de Paul W. S. Anderson. Se você se lembra de Resident Evil 5: Retribuição, essa vai ser uma interessante aventura. Com Rebecca, Leon e Claire tendo seu primeiro encontro e, novamente, a aparição de Trent. Nesse capítulo da história, o misterioso “ajudante” dos S.T.A.R.S. começa a revelar quem ele realmente é, dando finalmente aos amantes da novelização suas reais intenções. Numa aventura nova, o grupo recebe a missão de invadir uma base da companhia em Utah, onde está escondido um poderoso livro de códigos que garante acesso aos documentos mais secretos da empresa. Mas, obviamente, nem tudo sai como planejado e novamente estamos cercados por BOWs e Vírus. Esse livro conta, pela primeira vez, com mais humanos que armas biológicas. Aqui não estamos no meio de um surto viral e sim dentro de um cotidiano de trabalhadores. Uma nova perspectiva que encaixa perfeitamente dentro do universo de Resident Evil.
Apesar de um erro de continuidade, explicado pela autora em todos os seus livros, Resident Evil 5: Nêmesis, o quinto capítulo dessa novelização, é uma das mais fiéis adaptações da autora. Estamos no encalço de Jill Valentine novamente, ainda presa em Raccoon City. Esse volume da história apresenta pontos de vista de Carlos Oliveira antes de chegar em Raccoon e o seu encontro com Trent. Tem, ainda, o lado ganancioso de Nicholai Ginovaef e uma surpresa misteriosa em uma de suas partes. Nemesis, claro, está na perseguição de nossa heroína. Jill, por sua vez, tem todo o seu arco contado aqui. Claro que no jogo (Resident Evil 3: Nemesis) nós temos escolhas, mas, aqui, Perry não nos dá por ser uma adaptação. Porém, ela escolhe as melhores opções possíveis. Passamos com Jill até a torre do Relógio e andamos com Carlos no hospital e em mais algumas áreas, já que ele está perdido em Raccoon com apenas meia dúzia de informações que Trent lhe dá. O final é um tanto curioso e não o canônico que estamos acostumados. Mas Jill sai ilesa ao lado de Carlos de Raccoon City.
Resident Evil 6: Código Verônica é nossa próxima aventura e uma das mais cuidadosas de Perry. Todos os mínimos detalhes da jornada de Claire Redfield estão aqui. Um encontro de Chris e Leon é narrado após o envio do e-mail da heroína (Resident Evil CODE: Veronica). Isso dá um ar mais significativo ao de irmão protetor a Chris. Das loucuras dos irmãos Ashford a Steve Burnside, Perry acrescenta camadas de informações para enriquecer sua obra sem precisar modificar o mundo base. Uma verdadeira lição de adaptação. Até mesmo Steve, que é um pouco sem noção nos jogos, ganha uma camada narrativa e um cuidado especial. Wesker também está de volta e o nosso vilão traz todo o seu ar de superioridade muito bem trabalhado pela autora. Claro que o encontro épico de mestre e aprendiz está na obra. Nada passa aos olhos da nossa autora sem os mínimos detalhes.
Sétimo e último, porém podendo ser o marco inicial das suas leituras, Resident Evil 7: Hora Zero conta os incidentes do Ecliptic Express, o trem da Umbrella parado no meio de uma “floresta assassina”. Trazendo Rebecca de volta ao centro do protagonismo, Perry conta os incidentes da noite de 23 de julho de 1998, o início do pesadelo que mudaria a vida de todos da cidade do meio-oeste norte-americano, Raccoon. Dos momentos no trem desgovernado com Billy Coen até os complexos da estação de tratamento da Umbrella, Hora Zero é a obra mais bem detalhada das novelizações. Claro que existem mudanças necessárias para que o livro aconteça. Afinal, ninguém em sã consciência vai ficar procurando resolução de puzzles quando se tem uma segunda opção. Este último capítulo traz a menção honrosa a Trent que foi sem dúvida a melhor jogada de Perry para os livros.
Infelizmente, as histórias acabam no arco de 1998: o ano da queda da Umbrella. Não há um desfecho para a história de Trent, ou conseguimos conhecer sua real intenção para com os S.T.A.R.S. e nossos heróis.
Tratando-se de uma adaptação baseada na franquia de jogos, S. D. Perry soube casar o tradicional com o novo sem perder a essência. Podemos ver vislumbres de sua obra em algumas outras mídias adaptadas de Resident Evil. A novelização da franquia deve ganhar seu respeito aí, que leu este conteúdo até o final, por tratar tão bem o material original que a comunidade conhece.
O REVIL teve grande influência na revisão e publicação da obra pela Benvirá no Brasil e realizou concursos culturais para definir frases de fãs que estiveram presentes nos livros impressos. Atualmente, é possível encontrar mais facilmente os volumes de S.D. Perry para leitura digital por meio do Kindle (Amazon).
Colaborou com a revisão deste conteúdo: Ricardo Andretto