Arte: Frank Alcântara

Análise – Resident Evil: A Série

Nova série da Netflix, Resident Evil causa desconforto entre fãs recentes e de longa data

Antes mesmo de seu lançamento, montaram de pisca-pisca o alvo de críticas negativas nas costas de Resident Evil: A Série. E para se colocar à disposição de criticar uma série que carrega um nome de tanto peso quanto a franquia RE, é necessário entender sobre o que se trata Resident Evil de verdade.

Com mais de 26 anos de franquia nas costas, Resident Evil é uma franquia que retrata o bioterrorismo. Mais de vinte jogos, sendo oito desses numerados, alguns filmes em animação 3D (e 4D também, Executer, não esquecemos de você), que somam com a história rica dos personagens, e outros filmes em live-action (que criaram uma linha alternativa envolvendo clones, laboratórios subterrâneos e mais uma forma de destruir Raccoon City), servindo de alimento para o multiverso de RE.

Nos últimos anos, alguns de seus conteúdos receberam duras críticas dos fãs e a série da Netflix não fugiu do tribunal da internet. Nós, do REVIL, maratonamos a série, fugindo de todos os spoilers, análises e completamente abertos e sem preconceitos antes de construirmos a própria opinião. Mas antes… um aviso:

A partir daqui, haverão spoilers pesados sobre a série da Netflix, Resident Evil: A Série. Recomendamos assistir antes de ler a análise.

Dois momentos, dois mundos distintos

A série é um salto entre dois momentos: 2022, em uma cidade localizada na África do Sul batizada de Nova Raccoon City e 2036, na cidade pós apocalíptica de Londres. No passado, vemos um suposto Albert Wesker (Lance Riddick) e suas filhas Jade (Tamara Smart) e Billie Wesker (Sienna Agudong) tentando se encaixar na cidade utópica criada pela Umbrella Corporation. Albert está sendo pressionado pela filha de James Marcus, Evelyn Marcus (Paola Nuñez), a finalizar “Joy”, um novo remédio que leva como ingrediente o T-Vírus capaz de tratar sintomas de ansiedade, depressão e outras doenças psicoemocionais.

A corporação promete, ainda, uma espécie de paraíso a todos os moradores da cidade, incluindo matrículas na Raccoon High School, onde Jade e Billie conhecem Simon (Connor Gosatti), um hacker gênio da informática. De tão perfeita que a cidade é, as filhas de Wesker começam a desconfiar do local e invadem o laboratório da Umbrella na cidade utilizando as credenciais do pai. Um Cerberus utilizado em testes do “Joy” escapa e morde Billie, infectando-a no processo. Os três membros da família Wesker fazem de tudo para encobrir o ocorrido, mas algo dá muito errado, levando a mais um apocalipse.

Resident Evil - Jade and Billie Wesker - NetflixMas pudera, tentar disfarçar uma infecção com essa cara, Billie…

14 anos depois, uma Jade Wesker adulta (Ella Balinska) torna-se uma médica de campo, estudando os efeitos do T-Vírus no comportamento dos “zeros” (os zumbis da série). Em busca de um grupo chamado “Irmandade”, Jade é capturada por uma espécie de grupo de garimpeiros e levada a Brighton para ser vendida a Umbrella. Ela escapa e Richard Baxter (Turlough Convery) se vê obrigado a perseguir Jade a mando de Evelyn Marcus, até eles serem cercados pelos membros da tal Irmandade e acabam tendo que lutar juntos para tentar escapar do local. Entre as fugas, Jade entra em contato com seu marido Arjun Batra (Ahad Raza) e sua filha Bea (Ella Zieglmeir) na Universidade, uma espécie de navio-cidade em alto mar.

Resident Evil - Jade Wesker Overwhelmed - NetflixPara uma cientista de campo, Jade corre muito bem do perigo.

A série segue esse ritmo entre passado e futuro nos indicando como um evento ocorrido na adolescência de Jade impactou a sua versão adulta no futuro, condicionada a ser forte e tentar sobreviver neste mundo hostil. A única certeza que temos é que a Umbrella é a responsável por todos os eventos que se desenvolvem na trama, mas nos resta saber como a família Wesker é afetada.

Uma estratégia ousada

A série se passa em dois períodos diferentes e, na indústria cinematográfica, isso é uma aposta muito alta. É muito difícil manter a atenção de quem assiste uma série de Resident Evil quando já temos um contexto histórico desde 1998 (lê-se: fãs raíz de RE que devoram todos os arquivos). Porém, a atenção de quem assistiu a série conseguiu ser prendida. Ao mesmo tempo que é interessante ver as meninas Wesker procurando sobre o passado do pai e suas origens (e também a pressão de Wesker sobre o desenvolvimento de Joy), ficamos curiosos para saber qual é a motivação da Umbrella com a Jade (e se ela vai conseguir voltar pra filha e para o marido).

Durante a série, foram espalhadas alguns nomes e referências, como o vídeo de 98 de Wesker (que o vemos de costas) e sua participação no desenvolvimento de Lisa Trevor e até os dez segundos em que escutamos Moonlight Sonata no meio do mesmo episódio. Mas pequenas referências não são o suficiente para agarrar o fã de RE (nem o old school, nem a geração Z). Com isso, a série coloca o fã no papel de imaginar a trama como ela realmente é: uma série sobre a Umbrella.

Sem lidar com a aparição de algum personagem que conhecemos (além de Albert Wesker), quem assiste se vê obrigado a prestar a atenção nos novos personagens, o que não é de todo  ruim. O laço entre as meninas em 2022 é algo muito legal de se ver. Entender que os moradores da Nova Raccoon estão tentando viver algo enquanto continuam trabalhando para uma Umbrella “do bem” é algo no mínimo interessante. Para os gamers que leram o diário do coça gostoso lá em RE1, tem interesse em entender o desenvolvimento do vírus no corpo de alguém infectado recentemente e, até mesmo, o desenvolvimento dos comportamentos dos “zeros” (perde um sentido, ganha no outro) que a Jade aborda no início do primeiro episódio.

As duas partes se complementam não só no quesito história, mas também no sentido ritmo: quase todas as cenas do passado que finalizam em um ritmo frenético se encaixa em um momento no futuro tão frenético quanto. Se você conseguir sobreviver ao primeiro episódio sem quitar por não entender a questão cronológica da trama, você definitivamente vai se divertir com a série.

Draminha adolescente

Na parte 2022 da série, mais da metade remete a questão familiar e drama na família Wesker, utilizando-se de alguns fatores bem… 2022, vida real. Jade e Billie são gêmeas de mães separadas (e sim, isso é possível biologicamente) e, apesar de se darem bem juntas, são muito diferentes. Enquanto Jade é mais comunicativa e tem mais facilidade de conversar com os colegas de Raccoon High, Billie é mais introvertida, sofrendo bullying por ser vegana. Episódios de violência no passado fizeram com que Billie passasse por terapia e fosse obrigada a fazer exercícios, diversas vezes durante a trama, para controle de ansiedade.

Resident Evil - Raccoon High School Conflict - NetflixVegana ou não, a Billie bem que podia amaciar a cara dessa vaca no soco. #Moo

Todos esses temas abordados no início da série deu um ar de drama geração Z, onde assuntos do cotidiano foram levados a uma franquia conhecida por apocalipse e bioterrorismo. Momentos onde pessoas tentando viver uma vida “normal” são muito raros em Resident Evil, já que os personagens sempre estão atirando, gritando e buscando sobrevivência. Apesar de não quebrar o ritmo da série, que abraça bem a interação 2022-2036, problemas do cotidiano não são bem recebidos pelos fãs da franquia. Verdade seja dita: mesmo não sendo de interesse da “fanbase“, a série conseguiu discutir com naturalidade esses assuntos quando nenhum jogo ao menos tentou.

O Wesker “de verdade”

Trazer personagens e citações que remetem aos primeiros jogos da franquia deveria ser uma receita a agradar gregos e troianos, mas olhar para os primórdios não é a promessa da série. Carregando o sobrenome de James Marcus, Evelyn não lembra em nada o seu pai. Ela é ambiciosa, poderosa e demonstra ter total poder em cima de Wesker, convencendo os poderosos da corporação que Joy merece o investimento. Durante 80% da série, Evelyn se mostra uma antagonista com grande potencial.

Resident Evil - Evelyn Marcus Dancing - NetflixSim, 80% porque aqui ela perdeu todo o respeito que tinha conquistado.

Quando chegamos no assunto Wesker, vemos um personagem que, aparentemente, após o incidente do “Global Saturation” só quer viver uma vida pacata com suas filhas numa cidade patrocinada pela Umbrella. Em alguns episódios, ainda é possível sentir a ira do Wesker canalizada pra proteger Jade e Billie. Uma das melhores cenas da série pra mim foi a cena da diretoria, onde Wesker mostra pra Isaacs que ele tem poder pra destruir sua vida.

Resident Evil - Albert Wesker Protecting Billie - Netflix“Eu posso fazer o PHub destruir o seu currículo” vai ser minha catch phrase a partir de agora.

A profundidade dada a personalidade de Wesker é tão grande que eu acho que, pela primeira vez na franquia, eu não odiei o personagem. Ver Wesker trabalhando como cientista e desenvolvedor da Umbrella deu a oportunidade de entender muito sobre o personagem, que vai além do sobretudo e óculos escuros.

Infelizmente o Wesker que vimos durante a maior parte da série não é o Wesker que conhecemos – e eu não estou falando da escolha do ator para o personagem (Lance Riddick foi pra mim o melhor intérprete do personagem até agora). Um dos maiores plot twists da série mostra que Albert Wesker de óculos e sobretudo morreu mesmo em 2009 no vulcão.

Resident Evil - Albert Wesker - Netflix14 anos pra notar que a roupa do Wesker é idêntica a do Blade.

Teorias se levantaram e caíram por terra sobre o protagonista na série ser o mesmo personagem da mansão ou o mesmo personagem do vulcão, até que nos 75% da série tudo é explicado, pois clonagem é um conceito conhecido e reaproveitado do multiverso de Paul Anderson. Apesar das personalidades de Wesker terem sido muito bem desenvolvidas, a trama, a partir daqui, separa muitas águas: o Wesker que vimos até agora não é o Wesker do canon. Dependendo da visão de quem assiste, é muito fácil perder o interesse no personagem. Se você chegou até esse ponto da trama só pelo Wesker cientista preso na imagem do Wesker Johnny Bravo, é bem capaz de desistir da série.

Luz, câmera, ambientação!

A dublagem brasileira é o primeiro ponto positivo. Sob a direção de Manolo Rey (diretor de dublagem de Resident Evil: Bem-vindo a Raccoon City), as vozes em português foram bem aceitas e agregam demais para a ambientação. Dessa vez, houveram correções no áudio e os conflitos das trilhas de vozes com o som ambiente foram extintas.

A transição entre idas e vindas de épocas faz com que a série nos leve a uma ambientação única. Seja na escola, na festa, no viaduto dos lickers ou no laboratório, os recursos são muito bem utilizados. Apesar de não ter uma trilha sonora chamativa como a hexologia dos filmes de Paul Anderson, a série conta com um trabalho de efeito de som muito bem feito, além do emprego impecável de CGIs (cof cof, Licker Cachorro de Resident Evil: O Hóspede Maldito).

Ao mesmo tempo que temos uma tecnologia que agrega muito a produção, o serviço de maquiagem não foi dos melhores com os principais inimigos da série: os zeros. A caracterização dos zumbis deixa muito a desejar, enquanto a dos personagens principais ganhava pontos positivos.

Com essa tecnologia e a excelente atuação dos personagens, a Netflix provou que tinha os recursos pra fazer uma série perfeita que se encaixasse com a série de jogos… mas acabou optando por trabalhar em um spin-off não canônico de novo.

Resident Evil - Jade Wesker and Licker - Netflix“Nota dez pro CGI… e pro seu dentista.”

É bom… mas não é o que eu pedi

A série conta com oito episódios que variam de 40 minutos a uma hora e consegue prender os fãs que mentalizam que é um conteúdo sobre a Umbrella. Em geral, a série da Netflix agrega bastante aos bastidores da corporação, mas poderia dar uma roupagem necessária a personagens que trabalharam na empresa. Ou até mesmo focar nas Wesker Children reais, que foi um projeto citado em uma DLC, mas trouxe uma personagem com muito potencial pra franquia. Nos dois exemplos citados acima, um nome pode ser gritado: Alex Wesker.

Os produtores já provaram que tem recurso para fazer isso, mas continuam produzindo conteúdo que não agrega diretamente ao cânone, e esse é o caso de Resident Evil: A Série. O conteúdo chama a atenção por ser um bom material de suspense e ação, mas poderia ser muito mais para a franquia. Depois do fiasco não canônico que foi Bem-Vindo a Raccoon City, a Netflix conseguiu criar um conteúdo MUITO BOM que não acrescenta a história do canon de Resident Evil, o que acaba causando o descontentamento generalizado dos fãs.

No demais, a série, quando vista de forma individual e desconsiderando o nome RE, é uma obra satisfatória. Apesar das idas e vindas (e viagens), é um conteúdo agradável e divertido quando se assiste sem hype ou preconceito. A segunda temporada não foi confirmada, mas seria bem vinda para amarrar pontas soltas.

Resident Evil: A Série está disponível nesse link.

Análise efetuada por Dark Rickson, com considerações de Natália Sampaio, da Equipe REVIL.

Sobre a análise: O material expressa a opinião dos autores, que assistiram os oito episódios e montaram juntos uma análise, considerando altos e baixos da série.

7.5