CONEXÃO CAPCOM – Análise – The Great Ace Attorney Chronicles (PS4)

Quando eu estava no quinto ano do ensino fundamental, tivemos que fazer um texto falando sobre qual carreira gostaríamos de seguir no futuro. Na época eu me lembro de ter escrito “advogado”. Defender as pessoas, resolver casos, gritar no tribunal… No final eu acabei não seguindo por esse caminho, mas felizmente posso fazer todas essas coisas (sem passar por vários anos de estudo pesado) com os jogos da franquia Ace Attorney.

Para quem não conhece, Ace Attorney é uma série de jogos estilo visual novel onde entramos no papel de um advogado de defesa. A série, que fez sua estreia em 2001 no GameBoy Advance, foi portada para inúmeros consoles e recebeu diversas sequências, sendo uma das franquias de maior sucesso da Capcom. Apesar disso, muitos fãs reclamaram do rumo que os últimos jogos haviam tomado, seja na história ou mecânicas absurdas que implementaram para tentar trazer alguma sensação de novidade. Então em 2015 o criador da franquia, Shu Takumi (Dino Crisis 2, Ace Attorney), escreveu e dirigiu The Great Ace Attorney: Adventures, um jogo que se passa na virada do século XX contando com um antepassado de Phoenix Wright (protagonista da série principal). Apesar de muito elogiado, o jogo só foi disponibilizado no Japão… Isto é, até agora.

Em julho de 2021 o jogo finalmente foi lançado no Ocidente, em uma coletânea para PC (Steam), PlayStation 4 e Nintendo Switch que reúne os dois jogos (com todas as dlcs e extras) que narram as aventuras de Ryusuke Naruhodo. Agora os fãs internacionais da franquia, ou mesmo quem estiver tendo um primeiro contato, podem jogar uma das melhores aventuras da série.

Ryunosuke Naruhodo, o protagonista dessa duologia

ORDEM NO TRIBUNAL

The Great Ace Attorney Chronicles se passa na virada do século XIX para o século XX. O Japão está dando seus primeiros passos com o sistema judiciário. Em meio a expansão cultural, Ryunosuke Naruhodo, um jovem universitário, é acusado de assassinar um professor britânico e, devido a diversas circunstâncias, precisa defender a si mesmo no tribunal. No jogo acompanhamos as aventuras de Naruhodo, que após essa série de infortúnios decide estudar direito e revolucionar o sistema judiciário japonês.

O jogo conta com algumas cenas em anime em cada capítulo

Enquanto os outros jogos foram localizados como se passassem nos EUA, aqui não haveria essa possibilidade já que a ambientação é importantíssima para a trama. Apesar disso, a localização conseguiu realizar um trabalho incrível e manter o tom e humor do jogo original japonês. Claro que uma referência ou outra pode ser perdida por conta disso, mas a experiência em si não deixa nada a desejar. Infelizmente o jogo não foi localizado em português brasileiro, dificultando o acesso para quem não entende inglês.

Um dos pontos fortes do jogo é justamente sua ambientação. Por conta do período histórico, as aventuras abordam muito bem as diferenças culturais, a influência do imperialismo britânico e até mesmo racismo. Em seus 10 casos, The Great Ace Attorney Chronicles conta com uma história super envolvente, cheia de diversão e mistérios. A trama é interconectada entre os episódios contando com uma grande narrativa que permeia os dois jogos da saga.

Embora não pareça, cada caso tem uma duração considerável, com cada um deles tendo algumas pausas dentro do próprio capítulo como se fossem episódios devido a sua longa duração. A vantagem é que o jogador pode salvar a qualquer momento, o que ajuda muito caso o jogador precise dar uma pausa ou tenha apenas curtos intervalos para jogar. Apesar disso, alguns casos podem parecer desnecessariamente longos e com uma resolução nem sempre satisfatória. Sem contar que o jogador pode conseguir fazer uma ligação por conta própria que o ajude a desvendar partes do caso, mas terá de aguardar até que o jogo permita que ele use aquela informação. Mas lembre-se que o jogo não é um simulador de direito realista, tanto que acredito que isso tornaria o jogo incrivelmente maçante, e embora The Ace Attorney seja um jogo sobre direito, ele é bem leve e super bem construído, com personagens muito ricos e um desenvolvimento fantástico.

CHAMEM AS TESTEMUNHAS

Todos os personagens do jogo são incrivelmente marcantes, super carismáticos e com seus trejeitos próprios. Enquanto Phoenix Wright era um advogado recém-formado, Ryunosuke não era nem estudante de direito quando teve que participar de seu primeiro caso. Isso é super bem utilizado no jogo, que transpassa muito a insegurança e nervosismo do protagonista, mas não só isso. Como ele não é formado em direito, há diversas situações, regras e leis que simplesmente não conhece ou sabe como funciona. Para isso, temos a assistente judicial Susato, uma jovem muito inteligente e que sabe derrubar os adversários (fisicamente) como ninguém. Susato é uma fã ávida de literatura, então ela fica super alegre quando conhecemos outro personagem do jogo, o famoso detetive Herlock Sholmes.

Sim, é o nome é realmente esse, Herlock Sholmes

O jogo traz o grande mestre da dedução como um detetive e personagem, que tem suas histórias narradas e publicadas por sua parceira, Wilson (sim, não Watson). Enquanto nas histórias que Susato lê, o detetive é um mestre na arte da dedução, na vida real eles percebem que a forma como ele prossegue com elas nem sempre está correta. Além dele, outros personagens do universo de Sherlock Holmes dão as caras no jogo, embora possa não ser da forma que você se lembre deles, e essa visão destes outros personagens funcionou perfeitamente no universo do jogo.

Susato Mikotoba, a pessoa mais inteligente do jogo

Além dos protagonistas, todos os personagens são extremamente marcantes. Seja o promotor vampiresco que fica durante todo o julgamento com uma taça de vinho em suas mãos, ou os membros do júri, testemunhas e acusados. Todos são bem caricatos e tem uma personalidade única, seja em seu visual ou na forma como se expressam. Isso ajuda a enriquecer ainda mais a narrativa do jogo, conforme prosseguimos nas investigações ou no interrogatório, contando com um humor muito característico da série (há um momento em que o promotor Van Zieks faz um protesto batendo a perna na mesa). Mas falando em testemunhas, vamos falar um pouco sobre a jogabilidade.

Diretamente de Castlevania, Van Zieks

UM MOMENTO!

Ace Attorney antes de mais nada é uma visual novel, que são basicamente livros interativos, por isso o jogo é uma grande aventura textual. Então uma grata adição é o botão auto, que faz com que os diálogos passem automaticamente sem você ter que ficar apertando um botão a cada frase. E se você quer apenas embarcar na história sem ter que tomar nenhuma decisão, há ainda um modo história, onde o jogo faz todas as escolhas corretas para o jogador. E caso o jogador acabe passando por uma informação sem querer, pode abrir um log com o registro de todos os diálogos e ações até aquele momento.

Apesar disso, o jogo conta com diversos elementos que o torna um dos melhores da franquia. Foram-se as mecânicas absurdas dos últimos jogos e agora temos uma jogabilidade mais simplificada que traz o melhor da série. Assim como nos outros jogos da franquia, a jogabilidade consiste em basicamente duas etapas: Investigação e Julgamento.

Na parte da investigação podemos nos mover entre os cenários e conversar com os personagens para ajudar a entender o que houve e como podemos defender nossos clientes. Podemos clicar nos objetos dos cenários, interagir com alguns deles e ao conversar com os personagens podemos descobrir novas informações e abrir novas opções de diálogo. Como o jogo se passa no final do século XIX, diversas técnicas forenses que eram usadas nos outros jogos ainda não estavam disponíveis, mas isso em nada prejudica a experiência investigativa, que faz com que o jogador tenha que usar raciocínio lógico e dedução para conseguir chegar à verdade e conseguir o veredito de não culpado para o seu cliente.

ELEMENTAR MINHA CARA WILSON

Durante a etapa de investigação, em algumas ocasiões, contamos com a “ajuda” do grande detetive Herlock Sholmes, mas ao contrário das histórias em seus livros, aqui nem sempre suas deduções estão completamente corretas e por conta disso precisamos fazer uma correção de rumo.

Durante a correção de rumo, ouvimos as deduções do grande detetive e vemos a reação da pessoa analisada. Sholmes está na direção correta, mas nem sempre acerta os verdadeiros motivos, nesta hora você pode interromper o detetive e ajudar a desvendar esses pequenos casos que podem vir a ter um papel maior durante a etapa do julgamento, então é importante você conseguir extrair o máximo de informação que puder.

Toda essa etapa é feita com muita encenação e exagero. A dedução é o palco de Herlock Sholmes e você está ali apenas para dividir o holofote. É muito divertido ver os personagens praticamente dançando como se estivessem em uma peça, apontando o dedo a torto e a direito enquanto giram e as luzes literalmente brilham sobre o “palco”. Além desta mecânica, há também a parte mais marcante da franquia: o tribunal.

PROTESTO!

Aqui é onde a franquia brilha, o tribunal é sem dúvidas a parte mais interessante e interativa do jogo. Assim como nos outros jogos da franquia, há a etapa do julgamento onde devemos ouvir as testemunhas, interrogá-las e apresentar as evidências que provem que nosso cliente não é culpado. Você pode acessar as evidências para examiná-las a qualquer momento, o que ajuda muito já que você pode ter essas informações de antemão e ter uma certa noção de como poderá trabalhar sua defesa.

A promotoria vai apresentar o caso contra nosso cliente e trazer as testemunhas para depor. Durante o seu depoimento, podemos pressioná-las para conseguir mais informações e encontrar contradições em suas histórias. Apesar de ser algo simples, o jogo exige que o jogador use lógica e dedução, apontando as contradições e usando as evidências para mostrar as falhas nos depoimentos. Para tornar esta etapa ainda mais dinâmica, desta vez mais de uma testemunha pode depor ao mesmo tempo, e dessa forma podemos ver a reação dos depoentes durante esta etapa e obter novas informações. Isso sem contar que desta vez temos os membros do júri, e se eles decidirem em qualquer momento que o seu cliente é culpado, fim da linha para você. Mas entra aqui entra outra mecânica nova: summation examination.

Quando o júri decide que seu cliente é culpado, acabou. Não há como prosseguir com o julgamento, nesse caso você pode solicitar seu direito à summation examination, onde você pode confrontar os membros do júri e argumentar porquê o julgamento não pode se encerrar naquele momento. Para isso, ao invés de achar contradições no depoimento de cada membro do júri, você deve contrapor os argumentos um do outro para apontar falhas em suas análises e assim convencê-los a continuar o julgamento. É algo simples, mas que funciona muito bem no jogo e ajuda na resolução dos casos, não é uma simples mecânica vazia, mas algo que enriquece ainda mais The Great Ace Attorney Chronicles.

VEREDITO

The Great Ace Attorney Chronicles resgata o que há de melhor na série, contando com personagens marcantes, uma excelente apresentação e também aquele que é possivelmente o melhor caso de toda a franquia. Reunindo os dois jogos da saga do antepassado de Phoenix Wright, a coletânea é uma excelente adição para os fãs da série ou mesmo para quem quiser embarcar pela primeira vez neste mundo cheio de julgamentos e tribulações.

The Great Ace Attorney Chronicles está disponível para Playstation 4, Nintendo Switch e PC (Steam).

O jogo foi analisado no PlayStation 4 em cópia digital cedida pela Capcom Brasil. O texto não representa a opinião do REVIL como um todo, e sim do autor da análise.

 

veredito final
8.5