George A. Romero's Resident Evil
Arte/destaque: Frank Alcântara

George A. Romero’s Resident Evil – Documentário revive cineasta e a atmosfera dos jogos clássicos

Este é um artigo conjunto com opiniões de João Alves, autor desta publicação, e Cláudio Corrêa, da Equipe REVIL.

Se você se interessa pelo universo dos zumbis, um nome com certeza se tornará recorrente em suas pesquisas e referências: George A. Romero. É algo que independe de idade, seja você como nós, na casa dos 35 e tantos, ou mais novo a partir dos 15 anos.

Romero foi um cineasta que não apenas moldou o que viria a ser esse fenômeno pop dos mortos-vivos – popularizado por obras do entretenimento que vão do cinema à literatura e dos videogames às séries de TV (nem precisamos citar todos, basta prestar atenção aonde você está lendo esta crítica) – mas também um realizador que priorizou sua visão artística em vez de ceder às vontades e orçamentos hollywoodianos.



Ciente da importância e da influência de George A. Romero, o documentarista Brandon Salisbury e sua equipe mergulham nos arquivos históricos do cineasta, preservados na Biblioteca da Universidade de Pittsburgh, além de matérias jornalísticas e depoimentos de colegas e membros de sua equipe. O objetivo foi revisitar a trajetória de Romero no gênero, mas com um foco especial em um capítulo pouco esclarecido: a sombra de um projeto nunca realizado – sua versão de Resident Evil.

Documentário George A. Romero's Resident Evil
Imagem: Divulgação IMDB

Homenagens

O documentário é uma homenagem bem realizada ao lendário George A. Romero, conhecido como o pai e criador do que entendemos hoje como “zumbis”. Com uma estética que evoca a atmosfera e o design do primeiro jogo da franquia, Resident Evil (1996), o filme combinaria com maestria a visão artística do diretor com os elementos visuais e sonoros dos jogos clássicos do Playstation 1.

Os entrevistados exploram as principais obras de Romero e relembram como seu nome chegou até a Capcom, a gigante japonesa de jogos, para desenvolver um roteiro que transformaria o fenômeno Resident Evil em uma adaptação cinematográfica. Visionário e com um estilo único de fazer terror, Romero era a escolha perfeita para essa missão – e os executivos da empresa sabiam disso. Seu primeiro contato com a franquia se deu por meio da direção de um comercial para Resident Evil 2, uma peça publicitária que, por si só, já dava um gostinho de como seria sua adaptação para os cinemas.

 

O documentário não apenas revisita a trajetória de Romero e seu impacto no gênero, mas também busca responder a grande questão: por que ele não foi o escolhido para dirigir os filmes de Resident Evil? A produção traz dezenas de entrevistas e relatos, desde profissionais que trabalharam diretamente com Romero até fãs e criadores de conteúdo da franquia.
Mais do que uma análise de um projeto que nunca aconteceu, o documentário reafirma o legado imortal de George A. Romero no cinema e no imaginário dos fãs de terror. Uma obra essencial para quem deseja entender sua visão, sua arte e o impacto que ele continua exercendo até hoje.

Além do que já conhecíamos

O documentário cumpre sua função primordial: documentar e informar, trazendo novas revelações que podem ser desconhecidas por grande parte dos fãs. Entre os detalhes mais surpreendentes – pelo menos para mim (Cláudio/Just) – está o fato de que a Constantin Film, a produtora independente alemã responsável pela adaptação de Resident Evil em 2002, com Paul W.S. Anderson na direção e Milla Jovovich no papel principal, já detinha os direitos da franquia desde 1997. Ainda assim, na época, o nome escolhido para dirigir e roteirizar a adaptação era ninguém menos que George A. Romero.

O documentário revela que houve diversas reuniões com a Capcom no Japão, onde praticamente todos os produtores dos jogos estavam entusiasmados com o potencial do filme. Eles relembram como Romero já era uma referência consolidada no gênero de terror e admitem que Madrugada dos Mortos (1978) foi uma grande inspiração para a criação do primeiro Resident Evil.

Documentário George A. Romero's Resident Evil
Imagem: Divulgação IMDB

Outro destaque da produção é o depoimento de Shinji Mikami, que havia acabado de ingressar na Capcom na época. Antes de trabalhar na franquia Resident Evil, Mikami já tinha experiência em títulos de sucesso da empresa, como Goof Troop (o jogo do Pateta). Ele foi convidado para desenvolver um novo projeto inspirado em Sweet Home, um jogo mais antigo da Capcom, considerado o verdadeiro “pai” de Resident Evil. O sucesso de Sweet Home no Famicom foi tão grande que ele chegou a ganhar uma adaptação cinematográfica.

Aliás, para quem quiser se aprofundar no assunto, nós do REVIL fizemos uma análise detalhada sobre o filme e o jogo. Deu um certo trabalho para o Just na época, mas ele adorou a experiência de jogar e assistir ao filme!

No documentário, Mikami compartilha sua admiração por Romero, revelando que o diretor foi uma grande influência em seu trabalho. Isso facilitou a criação de um jogo de terror e a escolha dos inimigos que povoariam aquele universo – em especial, a criatura que definiria a franquia: o zumbi.

Com o enorme sucesso de Resident Evil no Japão e as vendas crescendo mês após mês, uma adaptação para o cinema era apenas questão de tempo. Além de alimentar a expectativa dos fãs, um filme ampliaria ainda mais os lucros da Capcom. No entanto, por diversos motivos – alguns explicados no documentário e outros apenas especulados -, os executivos da empresa não aprovaram a visão artística de Romero ao lerem o rascunho do roteiro.

Em sua adaptação, Romero priorizava a violência explícita e o uso do gore – com desmembramentos exagerados e muito sangue -, o que resultaria em uma classificação indicativa R (para maiores de 18 anos). Além disso, ele queria caracterizar alguns zumbis com óculos escuros, uma escolha estilística ousada. Essas decisões iam na contramão do que os executivos buscavam na época, um filme que aproveitasse a popularidade do jogo, mas que também fosse acessível ao público de 14 a 18 anos.

Devido a essas “diferenças criativas” – como o próprio Romero define no documentário -, a Capcom decidiu demiti-lo do projeto, o que gerou grande insatisfação entre muitos dos envolvidos na produção. Assim, cinco anos após as primeiras conversas, e com o esforço de Paul W.S. Anderson para renovar os direitos de adaptação, a Constantin Film e a Capcom chegaram a um acordo. Anderson assumiu o roteiro e a direção do primeiro filme da franquia, lançado em 2002. O resto… bem, é só resto mesmo.

Documentário George A. Romero's Resident Evil
Imagem: Divulgação IMDB

Vale a pena?

Se você é fã da franquia, o documentário vale cada minuto assistido. Ele foi feito com muito carinho, pesquisa e envolvimento, e, o mais importante, mantém viva a memória de Romero. Eu, Just, sou apaixonado por suas obras e tenho alguns DVDs que assisto sempre. Sua partida em 2017 fez com que toda a imprensa de Los Angeles e o universo cinematográfico o colocassem em um pedestal – um reconhecimento que ele próprio nunca achou que merecia.

Já eu, João, que escrevo esta crítica ao lado do Just, ressalto que, apesar de ser um bom documentário, com uma produção artística bem executada e uma edição eficiente, ele tem algumas falhas que me incomodaram. A ausência de legendas em certos trechos de depoimentos, a longa duração (duas horas) e a repetição excessiva de informações sobre o filme não realizado de George A. Romero acabam tornando a experiência um pouco cansativa.

Acredito que o documentário poderia ter abordado outros aspectos da relação de Romero com Resident Evil para tornar o conteúdo mais dinâmico. Sua experiência jogando com o filho, o processo de criação e maquiagem de seu Tyrant, ou até mesmo os bastidores da sua incursão no comercial de Resident Evil 2 teriam sido escolhas mais interessantes para o corte final.

 

E para finalizar, não que os filmes dirigidos por Paul W.S. Anderson tenham grande valor disruptivo artístico ou cinematográfico, mas terminei o documentário com a sensação de que ele quase desmerece o trabalho aprovado pela Capcom e realizado por Anderson. No fim das contas, apesar de todas as divergências, Romero se mostrou modesto, simples e generoso ao longo do documentário e provavelmente durante a sua vida, e duvido que ele apoiaria qualquer campanha que sugerisse o contrário.

Seu legado continuará vivo por gerações, especialmente graças à George A. Romero Foundation (https://georgearomerofoundation.org/), ONG fundada por sua esposa para preservar, com respeito e cuidado, seu vasto acervo de roteiros, filmes, documentários e outros materiais valiosos.

George A. Romero’s Resident Evil ainda não foi lançado no Brasil. O REVIL solicitou acesso antecipado para produção deste conteúdo. Agradecimentos a Brandon Salisbury pela gentileza.

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