Entrevista com Beatriz Villa, a Mãe Miranda de Resident Evil Village

O REVIL segue os bate-papos com dubladores de personagens de Resident Evil Village. Depois de Patt Souza (vozes de Cassandra Dimitrescu e Rose), Bia Dellamonica (voz de Bela Dimitrescu) e Rebeca Zadra (voz da infame Angie), chegou a vez de conversarmos com Beatriz Villa, responsável pela voz em português da poderosa Mãe Miranda.

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Abaixo você pode ler a transcrição da entrevista, onde algumas leves modificações foram feitas em relação à gravação para um melhor entendimento, mas tudo permanece fiel ao vídeo.

REVIL: E aí survivors, tudo bom com vocês? O REVIL tarda mas não falha, continuando a série de entrevistas com os dubladores de Village, a gente trouxe a dubladora da Mãe Miranda, que é conhecida na vida real como Beatriz Villa.

BEATRIZ VILLA: Olá pessoal do REVIL, gostaria de me apresentar, eu sou a Beatriz Villa, mais conhecida como a voz da temível Mãe Miranda de Resident Evil Village. Vou bater um papo aqui com vocês, tem umas perguntinhas aqui que o pessoal selecionou, então vamos começar!

REVIL: Como foi sua reação quando descobriu que conseguiu o papel da Mãe Miranda em Village, você fez algum teste ou já te chamaram direto? E já era fã da franquia antes ou já conhecia a franquia Resident Evil?

VILLA: Na verdade, diferente de muitos jogos, que realmente a gente faz testes – e não somente jogos né: filmes, novelas – Eu não fiz teste! A Mãe Miranda veio pra mim assim, sem maiores burocracias, eu acho que ou o pessoal do estúdio, ou o próprio cliente, acabou decidindo que não precisava de teste, alguém bateu o martelo que seria minha voz e eu só tava lá bonita indo dublar, e nós fizemos tudo em uma noite só. Então foi muito interessante e muito intenso, uma gravação muito intensa, minha voz foi pro “beleléu”, mas foi em uma noite só.

Se eu sou fã da franquia? Olha, confesso pra vocês que eu não jogo nada. Eu jogava Mario quando eu era menor, muito mal por sinal, e Mega Man, que foi o jogo que mais joguei. Mas depois disso, gente, eu não me adaptei na transição de 2D para 3D. E é incrível, porque não sou jogadora mas estou cercada de jogadores o tempo todo. Meu marido é alucinado por todas as vertentes de videogame, ele estuda economia relacionado a videogame, o videogame propriamente dito, está sempre pesquisando, um expert! Então tem toda comunidade de fãs, não somente de Resident Evil, como God of War e outros jogos que dublei, então estou sempre cercada de gamers, mas eu sempre ouvi falar de Resident Evil, só nunca tinha jogado, conhecia pouquíssimo do lore da franquia e estou começando a conhecer um pouco mais realmente agora.

REVIL: Como é que foi o seu preparo para dar voz à Mãe Miranda? Se preparou de uma forma especial? Se inspirou muito na voz original?

VILLA: Bom, como vocês sabem, ou se não sabem, vou contar em primeira mão: no mundo da dublagem a gente não sabe de nada antes, não sabemos que papel vamos fazer, ou qual jogo vai ser – especialmente no universo do videogame. Eu estava falando em uma entrevista recentemente que dublei um jogo essa semana que até agora não sei o nome! Até isso eles seguram dos dubladores, que é realmente para manter o projeto sempre o mais secreto possível. A gente vai cruzando umas pistas aqui e ali, mas no geral a dublagem é toda muito dinâmica, muito na hora, o diretor fala só a informação mais básica, até porque às vezes nem ele tem tanta informação, trabalhamos com informações muito básicas e assim que fazemos. Então não tive tempo de fazer nenhum tipo de preparo específico para Mãe Miranda, ainda bem que eu estava em um dia bom e pude usar bastante minha voz.

Se me inspirei na voz original? Com certeza, até porque é a única inspiração que a gente tem na hora. Diferente da dublagem de outras coisas, a dublagem de videogame nunca tem imagem, todas outras dublagem temos uma TV em nossa frente e vamos inclusive fazendo sincronismo, sempre vemos o artista, personagem ou desenho animado e fazemos o sincronismo, mas na dublagem de videogame nós só temos acesso aos arquivos de áudio. Então é só a voz da atriz original que temos para se inspirar, não tem nem músicas ou efeitos, logo é muito mais desafiador. Então fiquei lá só ouvindo a voz da Mãe Miranda original e foi só nisso que me inspirei mesmo.

REVIL: Como foi o processo de colocar toda essa emoção no personagem, de fazer os fãs acreditarem que ela é real, e que acredita em tudo que diz no jogo? E você costuma gostar mais de personagens espalhafatosos, que gritam mais e se soltam, ou de personagens um pouco mais pacatos?

VILLA: Essa pergunta é muito interessante, se eu prefiro personagens que gritam ou mais pacatos. Olha gente, cá entre nós, eu prefiro personagens mais pacatos, porque olha, eu tô em uma leva – até me justificando sobre ter demorado pra gravar essa entrevista pra vocês – eu to em uma leva de muitos personagens e todas elas absolutamente loucas! De Mãe Miranda pra mais, e isso que a Mãe Miranda é uma das mais loucas que já fiz. Eu dublo um anime chamado Fruits Basket, e a menina grita, mas ela grita… E mesmo as personagens mais normais que eu faço, como de Reality Show… Faço uma protagonista “mucho loca” de uma série que vai para um canal da Disney, talvez para o Disney +, que se chama Bless The Harts, e ela é a Jenny Hart, a típica americana do sul, e ela grita, ela é histérica, então estou numa leva de gente “mucho loca”! Eu acho ruim, porque acaba desgastando a voz, por mais que tenhamos a técnica e todo um estudo e controle vocal, mas gente, olha, na hora do “vamo vê” a emoção fala mais alto, e eu mesmo percebo que minha voz está bem cansada esses dias e acaba danificando um pouquinho.

A Mãe Miranda foi um processo muito especial, pra quem não sabe eu também dublei a Freya de God of War e vários outros personagens de videogames, mas a Mãe Miranda e a Freya acho que são o TOP 2 de personagens que no fim deu tudo bem certo: A Freya se desgasta bastante na cena final de God of War, não vou dar spoilers pra quem ainda não jogou, mas ela vem bem tranquila e no final ela realmente “enlouquece”, mas nem se compara com a Mãe Miranda, a Mãe Miranda é uma personagem que você percebe que no contexto do jogo ela já chega em um momento de grande loucura, ela não tem arco, quando a história está acontecendo ela já está totalmente corrompida por tudo que aconteceu e pela dor dela.

REVIL: Como foi o processo de dublagem desse jogo? Eles disponibilizaram todos os materiais prontos? Vocês tiveram que gravar em home studio ou foi tudo presencial?

VILLA: Durante a pandemia, de fato muitos estúdios se flexibilizaram para que os dubladores pudessem fazer muitas coisas através do home studio. Muitos de nós, como eu, não tínhamos home studio, no início da pandemia eu alugava um estúdio porque essa parte de tecnologia pra mim é muito alienígena, sou péssima com essa parte, e era tudo muito novo, ninguém sabia como seria. Então aluguei um estúdio de música de colegas daqui de São Paulo e fiz meu home studio lá durante uns 6 meses, acho. Depois de um tempo, eu e meu marido, Marcão, que é bem melhor nessa parte do que eu, falou “Bia, vamos montar em casa.” Já que já estávamos gastando os tubos de ficar alugando sempre o estúdio dos caras, então realmente fizemos em casa e deu super certo.

Temos uma salinha aqui que não tem acesso a janela externa e esse é um dos grandes segredos do sucesso de um bom home studio. Porém, videogame costuma ser um pouco diferente por conta da privacidade das pessoas tentarem manter o máximo de sigilo possível, então mesmo durante a pandemia, foi pedido que os dubladores se deslocassem até o estúdio e fizessem por lá, então a Mãe Miranda foi feita totalmente presencial e, como respondi em outra pergunta, não temos preparo, nenhuma informação antes, é tudo ali com a cara e com a coragem, nunca sabemos o que vai acontecer.

REVIL: Sabe nos dizer se houveram algumas alterações no seu texto para que em português as falas fizessem mais sentido para o público brasileiro?

VILLA: Alteração de texto a gente sempre faz de uma forma ou de outra. Toda vez que você transpõe um texto do inglês para o português, no inglês as palavras geralmente são muito mais curtas, e no português muito mais longas, então adaptações são inevitáveis, até porque no mundo do videogame, temos um tal de STC – Strict Time Constraints – Calma! Não quero assustar ninguém, é só um termo que usamos especificamente no mundo da dublagem de videogames. Então é muito chato quando a gente usa essa técnica pra dublar videogame porque o que você fala tem que caber certinho na onda (de áudio) do que a americana falou no original em inglês, e pra fazer isso acontecer é um trabalho cirúrgico, então ficamos repetindo a mesma fala várias vezes pra caber certinho, porque provavelmente você vai usar aquela onda pra sincronizar com a imagem real do personagem.

Alguns arquivos de áudio ficam em OFF (a fala é dita quando a personagem não está em tela), a própria Mãe Miranda tem aquela cena da batalha final em que você escuta ela falando, mas nem sempre está sincronizado com a boca, ela está distante então isso facilita bastante, na hora de fazer a gravação eu sei que aqueles arquivos não precisam estar casados em sincronismo com a boca, tenho mais liberdade na hora de fazer o ritmo e musicalidade da determinada fala. Agora, quando a gente sabe que aquele texto precisa do sincronismo, gente, é um tempão até sincronizar certinho com a “wave” (onda de áudio). Então, se teve alterações: sim, mas não tantas pra esse jogo, geralmente para alguns jogos, como o que fiz essa semana, a gente mexia o tempo todo porque a americana falava rápido e em português a fala era gigante, as adaptações são muito comuns! Tanto que para Village nós estávamos com um representante da empresa, o que demonstra uma preocupação muito boa da empresa para manter o padrão de qualidade, e caso tivéssemos que fazer alterações no texto, tinha ali um representante para mediar o processo e bater o martelo.

REVIL: Cada vez mais os jogos vem para o Brasil com a dublagem em português ou totalmente localizados em português, com texto e tudo que tem direito. Você acha que isso é uma pressão de mercado para que os jogos comecem a ter mais a nossa linguagem ou é um reconhecimento do grande trabalho de dublagem que vocês tem feito aqui no país? Ou até mesmo os dois motivos? Fala pra gente como tu vê essa transformação do mercado.

VILLA: Estamos falando de muitos assuntos aí né? Eu destacaria que entre diversos fatores, além de pressão do mercado e vários debates que a gente pode incluir, a principal pauta é realmente a questão da acessibilidade, o próprio Resident Evil Village, eu estava comentando agora pouco com o pessoal: Muito antes de eu sonhar em fazer parte desse projeto, eu fui chamada por um grupo de fãs de Resident Evil e de outros jogos da Capcom, eles contataram diversos dubladores conhecidos por fazer dublagem de videogames pra fazer uma petição para a Capcom dublar seus jogos para o português, porque como vocês sabem o Village foi o primeiro jogo da Capcom a ser localizado para o Brasil, antes disso era uma grande interrogação. E foi essa galerinha, um grupo de deficientes visuais, que tem tipo um fã clube que se organizam em diversas frentes, eles me convidaram para a petição, que cheguei a assinar! Então olha como o destino é maluco né, será que leram meu nomezinho lá e me chamaram?

Mas enfim, havia todo esse movimento no sentido de inclusão, de acessibilidade mesmo, porque para o deficiente visual faz total diferença aquele jogo estar dublado né, tem jogos que tem legendas – aliás, quando falamos localização, um jogo com legenda já está localizado, localização é um termo muito amplo, tem toda uma discussão, por isso que ainda falo dublagem de games. De todas essas vertentes, a mais interessante é essa macrotendência que realmente chegou pra ficar, que é a questão da acessibilidade, não somente para deficientes visuais, tem também as crianças que eventualmente não são alfabetizadas, não que Resident Evil seja a melhor pedida para uma criança pequena, mas vocês entenderam.

REVIL: Se tu pudesse voltar a dublar algum personagem, qual outro antagonista, ou protagonista, da franquia gostaria de dublar?

VILLA: Bom, como falei para vocês, não sou perita em Resident Evil, muito pelo contrário, estou começando a conhecer um pouquinho mais desse universo agora, e deveria estar fazendo essa lição de casa bem melhor para dizer a verdade pra vocês, um dia acho que vou pegar um final de semana e maratonar umas gameplays e cutscenes pra ficar mais integrada nesse universo. Porque, como eu sempre comparo com God of War, que é um universo que eu estava mais familiarizada: meu marido uma vez do nada me chamou para maratonar as cutscenes e me falar um pouco da história, e lembro que foi um feriado ou final de semana, em que maratonamos antes de eu dublar a Freya, então quando a dublei, estava bem mais por dentro, se bem que não fez tanta diferença pois o God of War que dublei era um reinício da franquia, ele quase começa do zero, assim não precisei usar tantas informações do período que ele se passava na Grécia ainda.

Porém, Resident Evil, vou ficar devendo essa informação pra vocês, mas do pouco que converso com a Monique e outros grandes YouTubers que dominam esse assunto como ninguém, eu ouvi dizer que vocês gostam muito de uma tal de Alex, e eu tava pensando que talvez eu pudesse ter feito a Alex, pois eu não lembrava mais o nome da minha personagem, igual falei pra vocês, até o pessoal lá, da hora do dia da gravação, nós falamos o nome, mas depois não lembramos mais, e não pode levar nenhuma anotação, então é muito fácil esquecer. Dublamos muitas coisas diferentes ao longo do dia, então é fácil esquecer, por mais importante que seja o projeto, às vezes faz seis meses, então eu não lembrava mais qual era o nome da minha personagem, logo, cheguei a cogitar “será que foi ela? Será que foi aquela?” Então em algum momento surgiu “Será que foi a tal da Alex?” que vi que sempre estavam torcendo para seu retorno. Então quem sabe um dia eu duble a Alex caso ela volte. Mas estou muito feliz com a Mãe Miranda, na verdade eu vou torcer pelo contrario, eu vou torcer para que a Mãe Miranda volte para muitos outros jogos, ai eu vou ficar feliz.

REVIL: Qual é o sentimento de fazer parte do primeiro Resident Evil totalmente localizado para o Brasil?

VILLA: O meu sentimento é o que já mencionei: mesmo não sendo gamer, a gente percebe muito forte o carinho das pessoas em relação a essa franquia, então de verdade, o quanto o brasileiro é apaixonado por Resident Evil, o quanto marcou a infância, adolescência, história e jornada de tantos de vocês, e por essa experiência que eu tive com essa galerinha que fez aí a petição e tudo mais, que aconteceu uns 2 ou 3 anos antes de estarmos dublando agora. Realmente eu percebo esse carinho, expectativa e luta dos fãs pra ter esse material localizado para o Brasil, traz uma afetividade muito maior, um acolhimento muito maior para um produto que vocês amam tanto, e que agora estou aprendendo a amar de paixão aliás, então é um sentimento de estar cumprindo um momento histórico, é um marco histórico para localização de games no Brasil, mas também pra história da Capcom e do videogame, então me sinto muito honrada.

REVIL: Muito obrigado pelo seu tempo Beatriz, se puder, gostaria que tu deixasse uma mensagem para os fãs do REVIL e para seus fãs, agora de Resident Evil.

VILLA: Gente, eu vou tentar não destruir os vizinhos, porque é 00:05 horas de um domingo pra segunda, não tem como fazer a voz da Mãe Miranda sem dar uns gritos por aí. Então separei algumas falas que as pessoas costumam me pedir, preciso decorar melhor, porque sempre pedem uma fala ou outra, e eu ainda não tenho assim a Mãe Miranda muito de bate pronto, acho que tinha a maldição dela ainda um pouco decoradinha, mas a Mãe Miranda eu tenho ainda que dar umas coladas.

(na voz de Mãe Miranda) “Eu vou matar você, afinal, todos morrem cedo ou tarde. Minha filha, minha Eva, minha pequena Eva… Eu vou recuperar a minha filha! Minha… Filha… Minha Evaaa!”

VILLA: E acho que é isso, um beijo pra vocês, um beijo pro site, para toda equipe do site, um beijão para o coração de vocês, mil perdão ter demorado tanto, e contem comigo de verdade para as próximas parcerias. Beijão e é nóis, Resident Evil na veia, beijo!


Resident Evil Village é o primeiro jogo da franquia a receber dublagem em português. O título está disponível para PC (Steam), PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series X / S e Stadia.

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Colaborou com a descrição textual: Nico Gomes