Resident Evil é uma franquia que passou por diversas transformações e reformulações ao longo de sua história. Seja com o primeiro jogo que praticamente inventou o gênero survival horror, Resident Evil 4 (2005) que modernizou a franquia e trouxe uma revolução para o mundo dos jogos, ou mesmo Resident Evil 7 que revitalizou a série trazendo-a de volta às origens, os títulos sempre se reinventaram.
Com a mais nova onda de remakes, diversos títulos antigos receberam uma roupagem nova, atualizados para um público moderno. Apesar do sucesso, muitos fãs dos originais tiveram diversas reclamações em relação às liberdades e cortes que as novas versões tiveram. Além de que esses jogos atualizavam títulos mais antigos, então essa modernização era mais justificada. Por conta disso, muitos fãs se questionaram se um remake de Resident Evil 4 era realmente necessário. Ainda não tenho uma resposta para essa pergunta, mas o que posso atestar é que a Capcom entregou aquele que é possivelmente o melhor remake da franquia até agora, e um padrão a ser seguido por qualquer empresa que queira recriar um jogo.
REmake
Enquanto Resident Evil 2 e Resident Evil 3 contaram com diversas alterações e cortes, de forma que acabamos usando mais o termo reimaginação do que remake, Resident Evil 4 aprende com os erros de seus antecessores e traz uma evolução do título de 2005. A nova versão amplia tudo que tornou o jogo original tão icônico, dessa vez com novas mecânicas e uma jogabilidade totalmente atualizada para uma geração moderna.
Leon S. Kennedy agora tem muito mais liberdade de movimentação e também há diversas formas de abordar o jogo. Tudo é apresentado de forma completamente natural para o jogador, seja no combate, stealth ou na defesa com a faca. As novas mecânicas são tão bem inseridas no jogo que é quase difícil de acreditar que elas não existiam no título original.
O combate está muito mais rápido e dinâmico, dessa vez podendo atribuir as armas para espaços e acessá-las rapidamente, sem ter que entrar no inventário e selecionar o equipamento, algo que auxilia muito em não perder o ritmo do combate durante o jogo. Poder tentar passar pelos inimigos sorrateiramente também é incrivelmente útil, e há diversas áreas que permitem passar despercebido pelos inimigos caso assim o jogador prefira. Mas um elemento que certamente vai alegrar os jogadores é o retorno do sistema de desmembramento. Dependendo do golpe que receberem, os inimigos podem perder alguma parte do corpo e sofrer dano de forma mais realista, sendo muito satisfatório usar diferentes equipamentos para enfrentar os ganados.
Leon continua com seus golpes após atordoar os inimigos, e dessa vez ele pode usar sua faca para aparar os ataques. Não importa se são golpes com armas contundentes, objetos arremessados, socos ou mesmo uma motosserra, Leon consegue desviar esses ataques apertando o botão de equipar a faca no momento exato. E se o jogador acertar o botão de aparagem no último segundo, ele ainda consegue atordoar o inimigo possibilitando que ele realize um golpe adicional. Minha única reclamação é que em alguns momentos a movimentação de Leon parecia um pouco mais lenta ou menos responsiva que no original.
Assim como em Resident Evil 2, a faca tem durabilidade, que vai sendo esgotada conforme usamos o equipamento. Embora ela não gaste tanto para aparar os golpes inimigos, realizar uma morte stealth, finalizar um inimigo caído e, principalmente, se defender da motosserra gasta muito do item. O jogador pode encontrar mais facas durante a exploração, mas com durabilidade menor e que acabam sendo perdidas após o uso, então a nossa faca principal é a única que pode ser consertada (e aprimorada) durante o jogo, através de um dos personagens mais memoráveis da franquia.
O Mercador faz seu retorno triunfal e é como reencontrar um velho amigo que não víamos há alguns anos. O personagem continua incrivelmente carismático e nos recebe com suas frases clássicas, além de trazer diversas novas falas dependendo do que estamos comprando, melhorando ou vendendo. A faca principal pode ser restaurada e melhorada pelo mercador, além de podermos comprar receitas de munição, novos equipamentos e melhorar as nossas armas.
Assim como no original, podemos vender itens e tesouros para o Mercador, que podem ser combinados de forma que aumentem ainda mais o seu valor. Dependendo da combinação de joias o valor pode aumentar exponencialmente, então às vezes vale mais a pena guardar aquela gema para combinar mais tarde. O Mercador também traz algumas missões secundárias para o jogador, mas elas se tratam de coisas mais simples como eliminar algum inimigo, ou destruir alguns objetos no cenário. Realizar essas missões recompensa o jogador com gemas que podem ser trocadas por itens exclusivos com ele.
Não podemos comprar munição com o Mercador, mas elas podem ser deixadas por inimigos ou encontradas pelo cenário. Embora o jogo seja generoso com a quantidade de munição, não foram poucas as vezes em que me vi cercado por inimigos e com pouco armamento para enfrentá-los, então ser mais estratégico é crucial.
Durante a exploração, podemos quebrar caixas com itens simplesmente apertando um botão, sem ter que equipar uma arma, é um elemento muito simples mas que ajuda muito durante o jogo. Uma das mecânicas principais do título original era a organização do inventário na maleta, e isto se mantém aqui, mas dessa vez há a possibilidade de apertar um botão para organizar a maleta automaticamente. Inicialmente acreditei que não usaria tanto essa função, mas ela é incrivelmente útil, especialmente quando você está no meio da ação e tenta pegar algum item que não cabe na maleta.
Também há diversos tipos de maletas e chaveiros que trazem benefícios adicionais para o jogador. Em um primeiro instante eu achei que não seria de grande diferença mas em determinados momentos do jogo a escolha de quais chaveiros ou maleta usar foi extremamente útil. As maletas e chaveiros podem ser equipados através da máquina de escrever, que também serve como um espaço de armazenamento para os equipamentos do jogador. Dessa forma, não é mais preciso vender alguma arma por falta de espaço, e podemos retirá-las quando quisermos.
Enquanto o Resident Evil 4 original era muito mais linear, o remake traz muito mais exploração para o jogador. Há diversas áreas que temos que revisitar depois pois não estavam acessíveis inicialmente, ou mesmo pontos que só podemos alcançar com a Ashley. É claramente uma evolução do que foi apresentado em Resident Evil Village, e que mescla ainda mais os elementos fundadores da franquia em uma visão moderna e atualizada. Há tesouros secretos e bosses secundários que só podem ser encontrados se realizarmos esse backtracking, então pode se preparar para andar bastante.
Resident Evil 4 conta com uma jogabilidade atualizada e melhorada, mas um dos pontos que receberam um tratamento de qualidade foram os personagens e a trama do jogo.
Pra onde vocês estão indo, pro bingo?
Ao contrário dos remakes mais recentes, Resident Evil 4 mais expande do que reinventa. Logo no início do jogo podemos notar como a trama foi atualizada e ampliada. Diversos elementos que não faziam muito sentido no jogo original são melhor apresentados dessa vez e partes da trama contam com mais explicações e conexões com outros jogos da franquia. A mais nova versão do jogo consegue trazer a sensação de familiaridade ao mesmo tempo em que cria algo diferente para o jogador.
Você pode reconhecer as áreas que está explorando, mas elas provavelmente vão ter alguma mudança ou desenvolvimento adicional de forma que surpreenda o jogador. Mas não se trata necessariamente de uma reinvenção completa como foi com Resident Evil 3, aqui, o jogador logo reconhecerá todos os ambientes em que está inserido, mas contará com diversas atualizações e surpresas que resultam em uma experiência completamente nova. E um ponto positivo é que o jogo não tem vergonha alguma do título de 2005, então algumas cenas e seções do jogo original que os fãs imaginariam ter sido removidas por serem consideradas muito malucas, continuam aqui (e ocasionalmente estão até mais ampliadas).
O desenvolvimento e interação entre os personagens são alguns dos pontos mais elogiados das novas versões, e aqui não poderíamos exigir menos que isso. Todos os personagens estão muito mais desenvolvidos e contam com muito mais personalidade. Até mesmo personagens secundários contam com uma participação maior dessa vez, que ajudam ainda mais no desenvolvimento do jogo. A trama ainda segue a base do original, mas alguns eventos estão mais explicados, expandidos ou mesmo interconectados com outros jogos da franquia. Até mesmo a ordem de alguns acontecimentos são alterados aqui, mas de forma que a trama do jogo faça muito mais sentido e seja melhor apresentada.
Leon Scott Kennedy claramente está mais abatido em relação a Resident Evil 2, mas ele ainda mantém o seu humor perante a situação e fica soltando frases de efeito durante a gameplay que exibe muito do que os fãs gostam no personagem. Tanto Luis Serra quanto Ashley Graham se apresentam como personagens mais complexos que suas contrapartes no original. Luis tem uma participação muito maior dessa vez, estando mais presente que na versão anterior.
A própria Ashley tem uma evolução considerável em relação a de 2005. Ela continua sendo uma jovem aterrorizada pela situação, mas se apresenta de forma um pouco mais madura dessa vez, tentando auxiliar Leon como pode. A interação entre os dois está espetacular, com os personagens se comunicando muito mais durante toda a jogabilidade.
Se tratando da gameplay, nós podemos manter Ashley afastada ou pedir para que ela nos siga de perto, o que ajuda bastante quando precisamos fugir dos inimigos. Toda a mecânica de escoltar a personagem está muito melhor em relação ao original, mas pode apostar que você vai ter que resgatar Ashley diversas vezes. Ao contrário do que havia sido mostrado, há algumas sequências onde podemos pedir para Ashley se esconder enquanto enfrentamos as hordas de inimigos, mas não queremos estragar nenhuma surpresa.
O próprio segmento onde controlamos Ashley foi bem expandido e mostra como a personagem está tentando passar pela situação mesmo estando aterrorizada com tudo aquilo, que é uma ótima forma de mostrar mais da personagem.
Os vilões contam com participações ainda maiores e mais desenvolvimento, de forma que ajude a fazer mais sentido que na trama original. Muitos podem preferir os trejeitos de Ramon Salazar na versão de 2005, mas os personagens estão ainda mais imponentes nesta nova versão. Jack Krauser faz muito mais sentido neste remake, pois uma reclamação que eu tinha com o jogo original era que ele aparecia aos 45min do segundo tempo para morrer logo em seguida, então os fãs do personagem devem ficar bem contentes com a participação dele aqui.
E para os fãs de Ada Wong, não queremos dar spoilers, mas com todas as atualizações na trama sentimos um certo estranhamento nas interações dela com Leon, ainda mais após os eventos de Resident Evil 2. De qualquer forma, espero ver mais participações da personagem no futuro.
Assim como foi em Resident Evil Village, o jogo continua totalmente localizado em português e mantendo um trabalho de alto padrão. Alguns dubladores que já haviam dado voz a alguns personagens da franquia retornam seu trabalho aqui, mas o elenco se dá principalmente por vozes inéditas. É mais um trabalho primoroso de localização que demonstra cuidado e respeito pelo país.
Performance
Enquanto pudemos notar uma clara evolução a cada novo título na RE Engine, Resident Evil 4 tem alguns problemas de performance. No Playstation 5, o jogo logo de cara aparenta ter um visual com mais ruídos que os últimos jogos, a impressão que se tem é que o jogo está em uma resolução bem mais baixa que Resident Evil Village ou mesmo Resident Evil 2. Há diversas opções para customização dos gráficos que ajudam a melhorar o visual do jogo, então é bom considerar dar uma conferida nisso antes de começar a jogar. A performance do jogo também apresenta diversas quedas de fps em vários momentos, mesmo que não sejam áreas necessariamente cheias, principalmente ao selecionar o modo qualidade e com o Ray Tracing ativado.
Dessa forma, acreditamos que a melhor forma de se jogar, ao menos antes desses problemas serem corrigidos, seja selecionar o modo performance com o Ray Tracing desativado. Ao menos o controle dualsense tem o melhor uso de um título Resident Evil até então, seja na pressão do gatilho ao usarmos as armas ou mesmo na vibração de acordo com o ambiente em que estamos, que é algo extremamente simples mas que ajuda muito a ampliar a sensação de imersão.
REjogabilidade
Eu levei aproximadamente 20h para terminar o jogo pela primeira vez na dificuldade padrão e, mesmo assim, não consegui completar todas as side-quests do jogo e nem melhorar todas as armas ao máximo. O jogo felizmente conta com o modo new game plus, além de dificuldades adicionais, desafios, cosméticos e roupas desbloqueáveis que aumentam muito a vida útil do jogo.
Embora Resident Evil 4 seja um remake quase perfeito, há alguns pequenos pontos que foram cortados do jogo. Apesar deles não afetarem a experiência final, acreditamos que alguns fãs vão sentir falta de alguns desses momentos. Há somente uma pequena área do jogo que eu esperava estar presente nessa nova versão, mas infelizmente não foi o caso.
E sim, confirmando rumores, o jogo não conta com as campanhas adicionais de Ada. Tanto o minigame Assignment Ada quanto a campanha Separate Ways não estão presentes no jogo. Tampouco o modo Mercenários está presente no lançamento mesmo já tendo sido confirmado. Por conta de pontos apresentados na trama, acredito que os modos extras possam ser lançados eventualmente como uma DLC, com as seções cortadas sendo transferidas para a campanha de Ada. Mas para os fãs da espiã de vermelho, resta apenas aguardar.
Conclusão
Resident Evil 4 claramente aprendeu com os erros das reimaginações anteriores. Ao invés de cortar, o título expande tudo que funcionou no jogo original, ao mesmo tempo que altera e atualiza diversos elementos para que os jogadores continuem se surpreendendo com esta nova versão. O jogo é uma carta de amor para os fãs de Resident Evil 4, não necessariamente fãs da franquia, mas todos que tiveram memórias com o icônico jogo de 2005 ou para quem vai experimentar o título pela primeira vez. Mesmo que ele não seja tão revolucionário quanto a versão original, Resident Evil 4 volta de uma maneira espetacular, e cria um padrão a ser seguido quando se trata de fazer um remake.
O jogo foi analisado no PlayStation 5 em cópia digital cedida pela Capcom Brasil. O texto não representa a opinião do REVIL como um todo e sim do autor da análise.
Análise em vídeo
Além do PlayStation 5, um outro integrante da Equipe REVIL avaliou a versão de Resident Evil 4 para PlayStation 4. A análise em vídeo leva em consideração a média de notas dos dois conteúdos textuais. Assista:
