Análise – Resident Evil: No Escuro Absoluto

Enquanto inúmeros jogos de survival horror foram relegados ao esquecimento e abandono, Resident Evil sempre se inovou e conseguiu se manter relevante. Apesar disso, a série de jogos já passou por diversas crises de identidade, algo que ficou mais estável desde o lançamento de Resident Evil 7. Entretanto, essas crises de identidade perpassam diversos tipos de mídia, sejam os jogos, livros, histórias em quadrinhos, filmes ou as animações. A série (se é que podemos chamar assim) Resident Evil: No Escuro Absoluto, é a mais nova empreitada da franquia em uma animação, e embora consiga melhorar alguns aspectos de seus predecessores, ainda acaba sendo uma obra rasa que não consegue atingir seu potencial completo.

Na trama, acompanhamos Leon S. Kennedy e Claire Redfield, que após um incidente na Casa Branca acabam sendo envolvidos em uma conspiração de âmbito internacional. É interessante notar que enquanto as últimas animações em computação gráfica (CG) acabaram indo muito para o lado da ação, algumas vezes de forma exagerada, No Escuro Absoluto foca mais em uma trama política investigativa.

Claire trabalha para uma ONG que ajuda a construir hospitais no fictício país do Oriente Médio, Penamistão, enquanto Leon é chamado pelo presidente dos EUA para ajudá-lo a investigar uma invasão hacker. Após um pequeno surto zumbi na Casa Branca, os caminhos de Leon e Claire acabam se convergindo enquanto ambos investigam o que pode estar por trás daqueles ataques e qual sua relação com o pequeno país do Oriente Médio afetado pelo bioterrorismo.

Embora a série trate de temas políticos ainda atuais, como uma crescente tensão entre China e EUA, não espere algo muito elaborado. A série consegue trabalhar com uma linha narrativa mais definida que as animações anteriores, algo que funciona muito bem a favor da obra, o problema é que a história acaba sendo muito rasa e pouco desenvolvida, tanto para os fãs da franquia quanto para quem está conhecendo este universo pela primeira vez, contando com soluções corridas e decisões incompreensíveis dos personagens na trama.

Assim como as animações anteriores, esta é uma história isolada dentro do universo dos jogos, mas apesar disso, ela exige que você tenha conhecimento prévio sobre o lore da franquia e seus personagens. Isso não é necessariamente um problema, afinal, essa série foi claramente feita para os fãs da franquia, tanto os de longa data quanto para quem conheceu através dos jogos mais recentes. Há diversos easter eggs e referências a eventos passados e futuros da série – afinal, nós sabemos o que acontece antes e depois de No Escuro Absoluto– e, ao contrário das outras animações, a trama não depende apenas de fanservice e cenas de ação para se sustentar. Mesmo assim há oportunidades desperdiçadas já que eles conseguem perceber o que não deu certo nos filmes anteriores, mas não chegam a desenvolver bem os aspectos que precisam de mais trabalho.

As cenas de ação estão super bem construídas e se encaixam muito bem com o desenvolvimento narrativo da série. Não há nada tão exagerado quanto nos filmes anteriores e as cenas, além de serem muito bem executadas, remetem o espectador a situações comuns nos jogos da franquia. A forma como a série foi “filmada” ajuda a trazer uma sensação de realidade para quem assiste, com o suspense e tensão super bem construídos.

Há um ritmo muito bom na série, mas a quebra entre episódios é muito abrupta e não há necessariamente um gancho que leve o espectador a assistir ao próximo. Apesar de terem dito que No Escuro Absoluto foi escrito em formato de episódios, a série parece muito mais um filme que foi cortado em partes iguais de aproximadamente 25 minutos, do que uma série em si. A curta duração do projeto faz com que a série tenha um claro problema, que também afeta todas as outras animações da franquia: falta de desenvolvimento.

Claro, nós sabemos quem são Leon e Claire, mas não há um desenvolvimento dos personagens na série. Além disso, Claire é tão deixada de lado que mais parece uma personagem secundária na trama, que está lá apenas para ajudar Leon a ter mais destaque. Nós conseguimos ver diversos pontos das personalidades deles que conhecemos através dos jogos, mas há várias decisões e ações que os personagens tomam que faz os fãs questionarem se os produtores da série conhecem eles de fato.

Certamente Leon teria mais cenas de ação devido a natureza do personagem na franquia, mas parece que esqueceram que Claire é uma personagem que passou pelos eventos de Resident Evil 2 e Resident Evil CODE: Veronica. Dessa forma, embora Claire esteja investigando o mesmo evento que Leon, ela acaba sendo colocada de forma muito separada ao conflito principal que está sendo desenvolvido, e quando os caminhos de todos se cruzam, no final o que temos é uma sensação de que fizeram aquilo apenas para poder juntar os personagens na tela ao mesmo tempo.

Além disso, a qualidade da animação varia de cena a cena de uma forma assustadora: enquanto uma cena de luta pode ser incrivelmente bem animada e coreografada, uma outra cena com o personagem andando pode parecer completamente falsa e robótica, embora acredite que isso não seja algo que atrapalhe a experiência de quem está assistindo. É realmente interessante ver como os dois protagonistas trabalham à sua própria maneira para tentar descobrir a verdade, gerando conflitos entre eles que poderiam ser explorados no futuro. Só resta ver se a Capcom está disposta a abordar esses pontos futuramente, seja nos jogos ou nas animações.

Desde Resident Evil: Degeneração, as animações em CG tiveram vários tropeços, mas No Escuro Absoluto consegue resgatar o melhor das empreitadas anteriores e mostrar que sim, há um caminho que podem trilhar e expandir ainda mais a franquia Resident Evil. A série é muito mais focada no lado humano da franquia, abordando as consequências do bioterrorismo e como os personagens precisam lidar com esta realidade dentro deste universo, mas enquanto a Capcom conseguiu definir o que quer com a série de jogos, resta ainda desenvolver uma identidade real para as futuras animações.

Nota
7