Arte: Frank Alcântara

Orgulho, representatividade e o mundo dos jogos

Resident Evil é uma das franquias mais queridas pelos jogadores e, em 2021, são comemorados exatos 25 anos desde o lançamento do primeiro título da série! Fora da linha principal, RE já protagonizou muitas histórias curiosas e aventuras por outras mídias. Não é uma surpresa que ao longo de sua existência, vários personagens marcantes tenham surgido. Apesar de junho não ter uma marca tão grande na saga, ele é um mês com uma marca para uma parte (se não grande) da comunidade que joga hoje em dia.

Em junho é comemorado mundialmente o Mês do Orgulho LGBTQIA+. Todo ano, durante o mês de junho (escolhido porque marca a rebelião de Stonewall em 1969, que deu início ao dia do orgulho LGBTQ+), a comunidade celebra o #Orgulho de várias maneiras diferentes. Depois dos motins de Stonewall, várias organizações de direitos homossexuais foram fundadas ao redor dos Estados Unidos e no resto do mundo. Junho é um mês comemorativo e devemos ser gratos por alguns personagens representativos estarem na saga. Mas isso não deveria ser o suficiente.

Recentemente, foi adicionado ao pequeno hall de personagens LGBTQIA+ de RE, Tyrone, do spin-off não canônico Resistance. Uma pequena vitória, apesar de tardia. É comum que a sexualidade seja algo discutível só anos depois.

Levando em conta que o primeiro personagem em jogos é datado de 1988, para LGBTs, a primeira marcação de “representatividade” em um jogo popular foi em Super Mario Bros 2 no ocidente, ou Doki Doki Panic no oriente, onde um personagem vilão do game, um dinossauro similar ao Yoshi chamado de Birdo, possuía em sua descrição “um dinossauro que acha que é mulher”, sendo considerado hoje um personagem transexual, algo que em 1988 (quando o game foi lançado) era simplesmente uma coisa não discutida. Alguns jogos, porém, levaram a representatividade de minorias a outro nível.

A sutileza nesses detalhes é enorme e é bem mascarada. Precisamos de mais personagens como Ellie que é, no segundo jogo da saga The Last of Us, um personagem abertamente lésbico. Além disso, na história principal de The Last of Us, DLC Left Behind, está implícito que Ellie tem sentimentos por Riley, culminando em um beijo entre elas perto do clímax do jogo.

Precisamos de personagens assim, que evoluam e sejam honestos com a comunidade. Mas, além de Tyrone, temos uma lista (pequena) de personagens que são importantes na franquia. E apesar de todos serem personagens secundários e pouco citados, merecem uma homenagem.

Temos Crispin Jettingham de Resident Evil: Operation Raccoon City que é conhecido no jogo como Dee-Ay, uma referência a “DA” ou “Don’t Ask” – uma contração da frase “don’t ask, don’t tell” (não pergunte, não conte). Esse termo era comum na antiga política de restrição do exército americano sobre soldados bissexuais ou homossexuais. Outro personagem que tem uma característica parecida com essa é o nosso soldado Piers Nivans. Apesar de ser apenas uma percepção de parte do público, Nivans é responsável pela maior gama de conteúdo gay gerado na fanbase, juntamente com nosso amado capitão Chris Redfield. Algumas histórias criadas por fãs são marcantes, como a famosa HQ 6 meses, criada dessa junção “Nivanfield” e traduzida pelo REVIL em português. É apenas de uma fanfic (até o momento).

Além de Crispin e Tyrone oficialmente confirmados como personagens desse grupo seleto, temos Nadia de Resident Evil: A Vingança (2017) do filme canônico da franquia em CG. Em entrevista, Fukami Makoto, o escritor, menciona que ele havia escrito os backgrounds de Nadia e que ela é lésbica, com uma parceira em San Francisco.

Mas existe outro caso de representatividade maior e bem mais marcante que seria o caso em Revelations que temos como Rachael Foley. Muitos acreditam que Rachael seja uma mulher transsexual, já que segundo informações sobre o funcionamento do T-Abyss, apenas aqueles que possuem os cromossomos xx se transformam em Ooze. Mas não é só em personagens da segunda leva da saga que temos representatividade não. Em um dos clássicos e amados jogos de Resident Evil, o CODE Veronica, temos a representatividade em Alfred Ashford, que deve ser tratada com todo cuidado ao ser citado. Muitos criticam a citação de Alfred por ele ter um surto. Além dele se transvestir, que já é um ponto importante, temos também sua questão genética, uma vez que ele foi criado a partir de cromossomos apenas femininos. Ele, talvez, possa ser considerado trans.

Alfred Ashford Resident Evil The Darkside Chronicles

Talvez a sutileza da existência desses personagens seja importante, mas precisamos de maior representação. A indústria dos games mudou, seus jogadores mudaram e hoje videogames possuem um papel único de empoderar e representar grupos sociais antes invisíveis, mas que sempre jogaram games. Assim como o cinema, televisão e publicidade, os games sempre refletem padrões sociais. Queremos ser representados e não ser entretenimento apenas. Queremos personagens que sejam fortes, determinados e heróis. Queremos olhar e nos orgulhar de estarmos ali. E queremos personagens que sejam eles mesmos, desde seu primeiro anúncio, e não SIMPLESMENTE algum personagem que é lembrado anos depois. Precisamos tratar abertamente esses assuntos, seguir exemplo de outros que não tiveram medo de arriscar. Assim, esperamos que nossa próxima representatividade seja uma adesão real à comunidade e não apenas mais um personagem.

Este texto surgiu em meio a uma provocação na Equipe REVIL sobre o assunto. O tema receberia uma visão mais crítica envolvendo a revelação da sexualidade de Tyrone, mas ganhou uma nova leitura sob a ótica representativa LGBTQIA+.