Resident Evil Village – O oitavo capítulo da série que envelhece como aquele bom vinho

“Sete de maio de 2021…”

Já se completaram dois anos desde o lançamento de Resident Evil Village, a sequência direta de Resident Evil 7. Trata-se de um jogo espetacular, haja vista sua trama intrigante e repleta de revelações combinada com uma dublagem excelente (principalmente a brasileira), gráficos belíssimos, jogabilidade mais dinâmica com novidades e, por fim, uma trilha sonora macabra mesclada com efeitos sonoros sinistros.

Depois de dois anos de lançamento do jogo, Village continua sendo maravilhoso, intenso, com vários momentos instigantes, personagens marcantes e nostálgicos.
Notoriamente, os desenvolvedores do game se inspiraram enormemente em Resident Evil 4, sendo assim, há muitas semelhanças em ambos os jogos e que acertadamente podem despertar o famoso sentimento de nostalgia.

Ainda não jogou Resident Evil Village? Cuidado! Pois a partir daqui há spoilers.

BEM VINDO AO VILAREJO DE MÃE MIRANDA

O início do game é basicamente uma homenagem a RE4 e mais uma prova da capacidade impressionante da Capcom em pegar ideias dos seus jogos e expressá-las de outra maneira, de reutilizá-las. O fator replay é outro destaque, não só por conta de outras dificuldades que o jogo propõe, mas sim devido sua jogabilidade prazerosa, pois explorar os cenários e enfrentar os inimigos é ao mesmo tempo divertido e assustador.

Entretanto, o real problema que se vislumbra no jogo é em relação a sua trama e corte de conteúdo, coisa que a empresa asiática é criticada constantemente em decorrência dos últimos jogos da saga.

Curiosamente Village possui os mesmos erros que o RE4 original, mais precisamente em relação ao enredo, pois os demais aspectos de ambos os games são formidáveis. Enquanto os gráficos, jogabilidade e trilha sonora são sensacionais, a trama de Village é interessante e tem bastante potencial, mas há diversos pontos que não são esclarecidos ao jogador e isto pode gerar frustração.
Por exemplo, as explicações sobre os monstros que residem no Castelo Dimitrescu estão nas descrições das artes conceituais do game e infelizmente são breves. Há muita nebulosidade sobre o culto da Mãe Miranda e as pessoas que moravam no vilarejo e, até mesmo, documentos que mais geram dúvidas do que respostas como o file “Bilhete Rabiscado”. Permeia a dúvida se os aldeões sabiam sobre os Licanos, por exemplo. Aliás, como era esta relação dos Licanos com as pessoas que moravam no vilarejo? Estes monstros representam algo divino para o culto da Mãe Miranda? É difícil saber.

Outro exemplo é o passado do vilarejo, as estátuas dos quatro reis e o Cálice do Gigante, pois vários documentos indicam que o local em que a estória do jogo ocorre, assim como em RE4, é extremamente antigo e se teoriza que o Megamiceto exista desde os tempos medievais, tal qual Las Plagas. E de fato, não é à toa que a inspiração em RE4 é fortíssima.

Seguindo esta lógica, será que os quatro reis fundadores – Cesare, Nicola, Guglielmo e Berengário – encontraram uma forma de aprisionar o Megamiceto, assim como o Primeiro Castelão Salazar fez com Las Plagas? É possível, mas é justamente esta necessidade de conjecturar aspectos da história de Village que podem incomodar os fãs da saga. Por mais que sejam acontecimentos antiquíssimos, seria bastante elucidativo ter documentos ou até mesmo diálogos que aprofundassem essas questões.

Além disto, no âmbito da jogabilidade, da gameplay em si, Resident Evil Village não aproveita certas partes da jornada de Ethan Winters, o protagonista. Por exemplo, quando o jogador deve ir para a casa da Donna Beneviento, uma das lordes do vilarejo, a tensão é tanta que o jogador quer ir embora o quanto antes. Com certeza é uma das partes mais aterrorizantes de todos os jogos da saga, porém, ao analisar friamente, este trecho é muito rápido de ser concluído. Obviamente que, considerando a primeira vez que se joga, nem se percebe que é tão curto assim, mas não é de se espantar que alguém pense “poxa, poderia ter aproveitado mais a Beneviento”.

Tal reflexão também é pertinente em relação à própria Alcina Dimitrescu, a personagem que mais chamou a atenção de todo mundo quando o primeiro trailer foi anunciado. Tristemente a mulher de 3 metros de altura é a primeira grande vilã a ser derrotada no jogo, mas não significa dizer que os demais são esquecíveis, pois há quem argumente neste sentido.

O Lorde Heisenberg, carinhosamente chamado por alguns de Magneto, é outro grande vilão do game que tem pouquíssimas informações para não dizer que não há. De que adianta criar vilões tão carismáticos, ainda mais com uma dublagem brasileira impecável, se não se explora o passado e outras facetas do personagem? Diante disto, o personagem fica simultaneamente incompleto e intrigante, contudo este desejo de querer saber mais rapidamente pode se tornar frustração em decorrência da ausência de explicações na trama.

Enfim, observa-se que os desenvolvedores cometeram os mesmos erros que no remake de Resident Evil 3 e no RE4 original, isto é, não souberam aproveitar partes do game não apenas para aumentar a gameplay, mas também para amplificar a trama.

Por outro lado, Resident Evil Village acerta muito no quesito de desenvolvimento de personagens, suas motivações, suas personalidades, principalmente dos vilões, além de outros pontos que tornam o enredo muito intrigante. Ora, impossível não se interessar pelo passado de Alcina Dimitrescu e os objetivos de Miranda, como o parasita Cadou foi criado, por exemplo. Ou descobrir mais coisas sobre a misteriosa Beneviento, o culto macabro da vila, a ligação de Miranda com Spencer, as experiências que Salvatore Moreau conduziu com o intuito de obter o reconhecimento de sua querida Mãe Miranda, dentre outras coisas.

Até mesmo a DLC “Expansão de Winters” lançada em 2022 aborda algo que nunca foi muito bem feito na saga Resident Evil que é o drama humano. A expansão mostra Rosemary Winters em uma busca incansável para descobrir mais coisas sobre seu pai e o quanto ele é importante para ela.

Diante do lançamento do elogiadíssimo Resident Evil 4 remake, percebe-se que a Capcom aprendeu com seus erros cometidos nos jogos anteriores, mais precisamente em relação ao desenvolvimento do enredo e não aproveitamento de partes do game. A recriação de RE4 apresenta o mesmo enredo do original de 2005, todavia a trama foi expandida e pontos foram alterados resultando numa estória muito mais aprimorada.

Os desenvolvedores fizeram um documento que relata as gerações da Família Salazar, algo que poderia ter sido feito no Resident Evil Village para esclarecer e complementar vários aspectos da trama, especialmente sobre os quatro reis fundadores. Se a Capcom tivesse se dedicado em Village da mesma forma que se dedicou à recriação de RE4, certamente o game teria sido muito melhor do que já o é.

Claramente a Capcom deve utilizar a recriação de Resident Evil 4 como um padrão a ser seguido no que tange desenvolvimento da trama de seus próximos jogos, justamente para aumentá-la e não deixar pontas soltas. O trabalho dos desenvolvedores nesta recriação é muito positivo, embora tenham coisas que não são esclarecidas no remake, mas ainda há a chance de explicá-las na aguardada campanha de Ada Wong.

Não se busca afirmar que Resident Evil Village é um game que deve ser menosprezado e deixado de lado. O game permanece indispensável para os fãs da saga, pois possui várias características interessantes e certamente consegue entreter o jogador. As comparações feitas são apenas para demonstrar que quando a Capcom quer fazer um bom trabalho ela consegue, basta ter a vontade para isto. Ao analisar as artes conceituais de Village, percebe-se que era para o jogo ter muito mais coisas e que consequentemente o faria ser mais grandioso do que já é.

Dito tudo isto, analisando retrospectivamente, se percebe que o maior erro da Capcom ultimamente é em relação ao enredo dos jogos da saga Resident Evil e encurtar a gameplay, isto é, cortar conteúdo desnecessariamente.

Dito isto, não restam dúvidas de que Resident Evil Village é um incrível jogo que possui características de vários games da saga, principalmente o RE4 e RE7, sendo recomendado para os amantes de survival horror. As falhas apresentadas neste artigo devem servir de reflexão e aprendizado para que a Capcom produza jogos cada vez melhores, especialmente em relação ao enredo.

Resident Evil Village é fenomenal e vale a pena ser jogado independentemente se passarem dois, cinco ou dez anos. Que ele envelheça que nem aquele bom vinho.

Colaborou com a revisão deste conteúdo: João Alves